terça-feira, dezembro 20, 2011

II. Para o novo ano

E chegava através dos fogos inimagináveis de artifício
Que coloriam o céu,
E pelas uvas, mesas fartas e promessa de melhoras,
E o “reveillon” ( pra que complicar tanto os nomes?)
Travestido de roupas brancas, e o champagne (...?)
Anunciavam o informe publicitário.
Era o ano que se chegava
em segundos, em contagem regressiva,
repleto de esperança, de superstição e de ano novo.
E o ano farto, fátuo, fortuito, ia-se cabisbaixo:
Acabara seu trabalho com sucesso...

domingo, dezembro 18, 2011

Fumaça

a poesia se acende
como a brasa do cigarro
invade seus pulmões atrás de ar
e você expira fumaça
ritmada
mais um trago de versos
escritos em papel prensado
depois lança fora sua escrita
e as cinzas se espalham pelo chão
o poema te engole seco
esperando que você sonhe
com vida plena

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Delírio

você se excita
com seus versos
o delírio das suas sensações
a possibilidade de prazer
e masturba a poesia
sentindo arrepios
no seu cor-po-esia
você finge orgasmos literários
mas esse poema-porra não é seu
esse gozo léxico
forma-conteúdo
é dos que precisam de inseminação
cultural
já o teu sexo é infectado
e guarda em si a sedição da vida
 
você se toca
seu desejo rígido
amálgama dos sentidos
te nega o amor

terça-feira, dezembro 13, 2011

I. Para as tardes de verão

O céu pincelava-se de um azul doentio,
E os olhos choravam-se, dispersos,
em meio à amplidão da inocência
das nuvens que se transfiguravam de idéias.
O pálido sol irradia luzes indecentes:
Incandescência, adolescência.
E as águas poucas miraculavam
Qualquer um que nelas se banhassem.
Horizonte em chamas, a fumaça do delírio
Que se extraviava das vias de passagem de carros
E cavalos.
E era a tarde de verão que surgia tímida
No espaço vazio, no vácuo da solidão.

sábado, dezembro 10, 2011

Fragmentos


A situação de desterro, de si mesmo e de seus semelhantes, leva o poeta a adivinhar que só ao tocar-se o ponto extremo da condição solitária cessará a condenação. Porque ali onde parece que já não há nada nem ninguém, na fronteira última aparece o outro, aparecemos todos. O homem só, lançado a esta noite que não sabemos se é a da vida ou a da morte, inerme, perdidos todos os liames, descendo interminavelmente, é o homem original, o homem real, a metade perdida. O homem original é todos os homens” (Paz, 1976, p. 85-86).
 
 

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Resistência¹

No fim, o que nos cabe é a resistência. Assim como as raízes resistem à pressão da terra, assim como o caule, os galhos resistem à ação dos ventos, assim como os frutos resistem ao tempo e esperam para ser colhidos. Nesse momento eu nos relaciono novamente às árvores: nascemos e morremos só. Também nós damos frutos, também nós temos galhos. Uns floridos como ipês, outros um tanto mais secos, como as do sertão, mas todos árvores na vida. Resistir é preciso. Resistir às traquinagens das circunstâncias. Ao que nos foge, ao que nos é assegurado, inclusive: é preciso também resistir ao que nos é dado. Resistir é o que me faz continuar vivo. A mim e aos que não se entregam. A própria vida resiste ao mundo. O próprio mundo resiste ao universo e o universo resiste ao sem-fim. Resistir é um ato de amor, sobretudo. Mas não significa, como se pode pensar, que a resistência é "não aproveitar as experiências". As experiências interiores (e acredito que toda experiência é interior e subjetiva) nos ajudam a resistir. No fim das contas, o que nos cabe são as experiências interiores. Amar, sobretudo, é um ato de resistência. Viver é um ato de amor. Experienciar é ser árvore na vida. Ser é resistir. Tudo se move à medida do todo: efeitos inconclusos das coisas.



¹Vem do Latim resistentia, de resistere, "ficar firme, aguentar", formado por re-, "para trás, contra", mais sistere, "ficar firme, manter a posição".

quarta-feira, novembro 30, 2011

Novembro

Novembro me chorou
água de trânsito cansado
olhos de cor fumê
fechados pro movimento do amor
as coisas são assim
há sim na vida
há sim nas vontades irrealizadas
ah, sim para o acaso
os ônibus despejam gentes
as camisas recolhem suores
e o triste ano continua
infarto de semeaduras
o que se colhe
o que se ex-colhe
Novembro me choveu
e me plantou
agora espero uma nova
terra
e um novo sol

quarta-feira, novembro 16, 2011

Felicidade

crio no quintal de casa
uma felicidade carijó
alimento-a com migalhas
de dias bonitos
cacarecos de vida
vez em quando ela
se chega a mim
 ciscando meu peito
atrás de um sorriso
vez ou outra ela se empoleira
mais cedo
são os dias que vêm escuros
depois ela choca
choca promessas
novos amores
e daí pela manhã
estamos prontos pro futuro anunciado

domingo, novembro 13, 2011

Tempo

à tua partida
dediquei uns
versos secos
versos soltos
nodosos como
o tempo
da tua partida
restou uma breve
versão dos fatos
de nossos feitos
o tempo
espera ver você
dizer que fica
mas você foca 
o tempo
que corta como faca
que inventa tua falta
o tempo
à tua partida

segunda-feira, novembro 07, 2011

Fragmentos



Por amor ou euforia... tudo de novo eu faria. 

=]

Só pra mudar um pouco, né?


sábado, novembro 05, 2011

Céu Nublado

o céu nublou meu peito
surgiram vozes alexandrinas
me encomendando alguns versos
para levar aos confins da poesia
nada pude fazer: 
carrego em mim sedimentos
de vida desmetrificada
em minha formação rochosa
advinda de séculos de mundo
brotou um ipê amarelo
sonhei-me em poeta
nada pude fazer:
o que me compôs foi areia
brilhei feito quartzo
mas eu era agreste
das minhas várzeas então
renasci vento torto
peito meu nublou céu

sábado, outubro 29, 2011

Cerrado

Eu canto com minha voz retorcida
voz de árvores do cerrado
e me espalho pelo chão bioma
deixando rastros de vida
Então me ateio fogo
e viro cinzas
Então me ateio fogo
e me perco em mim mesmo
E o céu me chora
um pranto novo que invade
o corpo
Broto incólume
Eu canto e salivo e deixo escorrer
seiva sonhos
seca e sangue

quarta-feira, outubro 26, 2011

Clandestino

um poema clandestino
pede para ser escrito
sem forma prescrita
sem erudição
um poema clandestino
(sem nome naturalidade
ou data de nascimento)
deseja apenas vir ao papel
e face ao descontente
despejar-se amiúde
um poema clandestino
voz de qualquer lugar
escondido na periferia
da felicidade
reúne-se com seus pares
outros poemas
(sem credo raça ou sexo)
e aprende uma língua diferente
a língua dos poetas clássicos
e chora acende vela
e pensa no dia de amanhã
num subemprego da palavra
com medo da deportação
o poema clandestino
se abriga em muquifos
(sem número gênero ou grau)
e sonha com a família distante
de todas as eras
e distâncias
que despacham poemas clandestinos
se enfiam em fronteiras
e morrem
poemas clandestinos morrem de
saudade
compondo breviários
à vida.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Poema debandado

tentei escrever um alegre soneto
que dissesse da beleza da vida
rimei alguns versos de felicidade
mas o poema debandou
num galope torto
lá para longe
para o sertão
fugindo
ao léu
eu

sábado, outubro 22, 2011

Refúgio

Olho para a direita e vejo: não há ninguém que cuide de mim.
Não existe para mim um refúgio,
ninguém que se interesse pela minha vida.
(Salmo 141.5)

o meu peito tem meandros onde se perdem amores e canções
dentro da tarde eterna tarde que faz em mim
percorro e tateio passados e poesias
perdidas ou rasgadas
um sonho qualquer habita a casa abandonada
a velha casa das lembranças
um sonho qualquer é um sem-teto
a vida sem identidade
e o corpo é templo sagrado do espírito de porco
o meu peito tem desvios abismos tem chão rangendo implorando
passos toques e um grito um grito de versos
um grito sem métrica e sem potência ativa transformadora enérgica
ecoa dentro de mim
e eu escuto meus antepassados naufragando em mares
e eu ouço trotes de cavalos
os sem destino mato-adentro
os sem deus branco flechas-afora
e peço para que os poemas que um dia li acendam as luzes
pois ando no escuro
dentro de mim
não há lugar para os que estão fora
não há fora quando não se há muros
não há muros quando o que nos resta é a parca
vontade de se explodir todo
para que a voz alcance o mundo
e haja refúgio no tempo

sábado, outubro 15, 2011

Chuva

a chuva chegava em chiste:
chamava,
se chacoalhava,
chorava
e xingava
cheia de charmes.
A chuva checava
o cheiro de chuva
e chovia.
Aí veio o sol,
abriu espaço no céu,
e acabou
com a consoante palatoalveolar.

sábado, outubro 08, 2011

Poema para você

Você me olha com olhos de esquina:
e eu meio-fio, meio puta, marginal.
Você cala na boca um diz desdizendo.
E eu grito, grito como as sirenes atordoadas
e eu brado: retumbante, retorcido.
Você fecha os ouvidos com grades.
E o que ouço são os alaridos
estampidos da opinião pública.
Você só fede, não cheira.
Você não bate ou afaga
E eu aspirando tuas exalações
E eu precisando das tuas sombras
E eu me equilibrando na corda bamba
                                       [da tua existência.

quarta-feira, outubro 05, 2011

Fragmentos

Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. (...)Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida.

(A Terceira Margem do Rio - Guimarães Rosa)

sexta-feira, setembro 23, 2011

Corpo Meu

Incendeia, corpo meu, e inflama
qualquer desinência e invoca
qualquer possibilidade de vida.
Clareia, corpo meu, a trama
dos dias indumentários e prega
a renovação do tempo imposto.

As dunas dos meus modos
imploram por ventos
e mudanças.

quinta-feira, setembro 15, 2011

Spleen

Invoco deuses pra escrever uma poesia.
Há um tanto de coisas inaudíveis nos teus olhos e
Nos mistérios do teu colo me deixo quedar.
E sonho:
Virão dias em que o sol se assentará
                                                     [doce.
Teus pequenos fragmentos de vida
Se espalharam, como palavras fundando um rio
E você, prepoderante, me compôs então.
Quando resolverem-se as horas,
Quando, lenitiva, chegar a noite mansa,
Peço que me encontre.
Eu, tal como um totem
Guardando o que se sente:
Bocas, pele e o espaço entrevontades.


 

sábado, agosto 27, 2011

Fragmentos

"Pois o importante é tentar, mesmo o impossível".

(A morte e a morte de quincas berro dágua - Jorge Amado)

sexta-feira, agosto 26, 2011

Cantiga aquém-mar

Quando atracar no teu porto,
arriarei minhas velas, lentamente.
Amarrei meu barco no teu cais,
dançarei sobre teu píer
e descansarei nos teus trapiches.
Peço-lhe, com um alento viajante,
como um navegador de terras longínquas,
que descarregue minhas cargas,
que veja minhas ninharias, trazidas de outras
                                                                 [eras,
de aquém mar.
Então, com doce recato, partirei na madrugada fria.
Não saberei para onde o vento sopra,
mas tu, guiando meu leme,
conduzirá minhas lembranças na noite escura.

terça-feira, agosto 23, 2011

Fragmentos

Há tempos, precisamente quando li O Homem que Calculava, conheci um poeta chamado Rabindranath Tagore. Ele exerceria, um tempo depois, grande inspiração sobre minha escrita. Alguns dos poemas juvenis que tratavam de amor foram duramente dissipados, num desses ataques que às vezes nos assolam. Muito do que escrevi ainda está guardado, mas ficará para um exame póstumo: creio que o que faço agora seja um tanto mais digno de leitura. Segue aí um poema desse tão interessante autor:


Roubo do hoje a força
Fazendo nascer o amanhã.
Da janela acompanho com olhar
As nuvens do céu.
De novo a sombra sinistra
Tolda tristemente meus sonhos.


Tua imagem me acompanha
Por todos os lugares por onde ando.
E em todos os momentos
É a tua presença que espanta
As brumas do desconhecido.


Não faço perguntas.
Tenho medo das respostas que já sei.
Liberta do invólucro físico
Devolverei a matéria ao pó de que fora feito.


Vivi meus três caminhos na terra.
Purgatório. Inferno. Céu.
Tudo de acordo com meus projetos,
Minhas atitudes,
Procurando não cair nos mesmos erros.


Agora — vago e espero
Entre tropeços e flagelos
O ressurgir da verdade.


(Verdades - Rabindranath Tagore)

domingo, agosto 21, 2011

Canção Incidental

                                                            à Maria Teresa

Quando arqueja teu peito sonhador
Sinto teus modos - marejos leves.
Brincam as vozes distantes, na cor
Dos dias e noites, enquanto deves
Dormir, menina de sonhos e vontades,
Pois doce será toda essa vida
Se acaso me crer nessas verdades:
Que mesmo a existência de certo duvida
Desse doido encontro. E a calmaria
De dias futuros que por certo virão,
Fará de todas essas coisas, um dia,
Experiências tão belas, sem explicação.

quinta-feira, agosto 18, 2011

À Poesia que se ia.

A poesia, de repente, despediu-se de mim
com um aceno inconsolável
e embarcou na canoa, descendo o rio Cuiabá,
em direção a novas cidades.
Já não era sem tempo
quando ela sacou um lenço branco da lapela
(a poesia tinha um sentimento terno)
e sacodiu-o, criando revoadas de garças pacatas.
E lá ia a menina poesia tomar seu rumo na vida.
Sentei-me à Beira-Rio e bebi meu último
                                            [trago de esperança.

terça-feira, agosto 16, 2011

Vieste como um poema.

E, por entre os planos do dia, você.
Vieste e já era tarde.
Vieste com teu sol, rompendo-se em auroras.
Eram cores de tardes mornas, sombras & sons.
Sobre teus modos, gostos e sonhos.
Quando acordavas, o mundo se punha a viver
E nas distâncias do tempo sejam belos os dizeres.
E já não penso em loucuras e já não penso.
Possibilidades e rotas, corpos e vento:
Vida leva pra onde for.
Nas veredas desse teu jeito um tanto de luz
                               [brilha incólume sobre meus olhos
ao relento
das vontades.

domingo, agosto 14, 2011

passagem no tempo.

na boca do povo uma incerteza:
nuvens se ajeitam formando promessas
de chuva, trégua na secura do dia.

sexta-feira, agosto 12, 2011

Cidade Veloz

Você me ligou às 18h de ontem.
Fazia 42° na Fernando Corrêa e eu
não atendi. Carros alucinados
me sugeriam o caos da cidade
                                   [que se tornaria grande.
Segui em frente, desértico,
numa procissão doída,
pagando a promessa de um dia confuso.
Às 18h fazia 42° e o sol, torturando meus sentidos,
anunciava tempos difíceis.
Você me ligou e a Fernando Corrêa se pôs em calores,
                            [fumaças, carros, gentes e vida-século-21.

quarta-feira, agosto 10, 2011

Brasa

A brasa se apaga
lentamente
como se apagam as luzes
dos prédios cansados
como o sol que se põe
tilintando um dia
indiferente
se apaga com teus olhos
e com os sonhos de toda
gente
a brasa se apaga
como se apaga a vida

segunda-feira, agosto 08, 2011

Momento e poesia

você tomou o ônibus lotado
em direção ao centro velho
entre marias e joões você tímida
me olhava com tristeza branda
acendi um cigarro de filtro avermelhado
                                [e me pus a pensar em toda
                                [poesia que teu peito não sentia
                                [posto que fosse enorme sua briga
                                [com a vida

sábado, agosto 06, 2011

Poema de uma tarde

                                                                                                                                      à Máxima Madalena

           tenho vazios suficientes escondidos nas mãos
                                                    (Máxima Madalena)

Pergunto ao céu
onde estão tuas cores.
No meus olhos se escondem
pétalas de uma flor
inodora.
Quais teus cheiros?
Nos versos teus, árvores
frondosas dançando sós,
encontro um tanto de paz
                                 [e sombra. 
Pela minha cabeça crescem matos.
Roço minha pele procurando teus modos,
mas só encontro um poema
à tua espera.

quinta-feira, agosto 04, 2011

receita para um amor na iminência de ser

Se o amor te bater, morder,
                                   [dizer,
                                   [mentir, 
aceite.
Se o amor te roubar os pertences
                                   [que você,
                                   [com tanto custo,
adquiriu em várias prestações,
tolere.
Se o amor te trapacear, reclamar
                                  ["não vale nada".  
                                  ["só faz é mal".
entenda.

E se o amor te zombar a cara,
E se o amor te esconder o jogo,
E se o amor te pôr numa furada,
Aceite, tolere, entenda.

Mas se o amor aparecer triste,
como dessas tristezas que se vê num
filme P&B,
de décadas antigas,
de saudade e nostalgia,
de um tempo que soube ter sido muito bem aproveitado,
Ame.

Porque o amor só conjuga infinitivos com quem já amou.

quarta-feira, agosto 03, 2011

Um poema solitário

Teu nome recobriu-se de ausência
E eu te perdi pelas sendas da vida
Onde vai seu sorriso que me mordiscava
                                                              [palavras?
Onde vai sua boca que recendia promessas?

Não.
Não te peço que volte.
Não peço a
Não ser um pouco de nossas lembranças
Não perdidas em teu presente abissal.

Pelos meus dedos, na centelha dos tempos,
Encontrarei nossos modos:
Paciência e solidão.

sexta-feira, julho 29, 2011

Taquara Square

Te fumam e te cheiram, Maria
Te bebem e te comem, insana
Te mendigam, travestem e emana
De ti o sofrimento da noite e do dia

Em ti trabalham, ganham mixaria
Gente comum e gente sacana
Que vive como dá, se engana
Numa vida tosca e sem regalia


No teu chão de sujeira é indiferente
Ser rico ou pobre, sagrado ou puta
Por que tudo é junto e se escuta

O pesar triste de toda gente
Que sonha, que chora, sofre e sente
Essas dores da  vida de luta.

(Praça Maria Taquara, 2010)

quinta-feira, julho 28, 2011

Um poema livre

É cedo ainda. Ou será tarde?
O futuro me avista com uma de suas máscaras:
Não é carnaval. Ou será sempre carnaval?
Um poema me escreve.
Em minha cabeça se inserem
palavras destinadas à confusão.

Te escrevo um poema.
Você rasga, lê, guarda, mastiga.
Você deglute.
É cedo ainda e sempre há tarde.
Noite que não chega:
O futuro me procura com seus olhos desconfiados.
Fujo para os bares.
Um poema me consome.
Em tua cabeça, caras e bocas.
Você me rasga, vê. Você me joga fora.
Foda.
Você me engole como quem engole um passado franco.
E o futuro me espreita pelo buraco da fechadura:
A porta me guarda o presente.

quarta-feira, julho 27, 2011

Tempo

E então estava só.
Enquanto te esperava,
rondós da fumaça do cigarro
me diziam:
“ainda há tempo pra ter tempo”
E então eu tive.
E então eu te vi.
Sentei-me no meu futuro – sujo desconsolo
E protestei qualquer coisa que não se ouvia.
“Quando você chegou, nada falei. Nada faz lei”
Nem Juízo ao que eu sentia.
E Então, só estava?
Fazendo o que?
Em quanto tempo teve tempo?
Rondós e Madrigais,
Madrugais, e me (des)espere.

(Cuiabá, 2008)


______________________________#________
Eu resolvi postar uns textos que estavam publicados no recanto das letras. Comecei por "gatos", poema bobo, de 2005, e agora, um tanto mais "maduro", posto "tempo", de 2008. É fato que minha escrita mudou um tanto, fato que tenho me estabilizado um tanto mais como escritor, desde a ortografia à preocupação com a estrutura sintática. Eu escolhi esse poema porque me é um tanto querido, porque gosto dos dois últimos versos, e porque li um poema do Caio B.(grande Caio, bom poeta) que fala sobre cigarro. Enfim.

terça-feira, julho 26, 2011

Então, um poema.

Então, teu nome me invadiu a boca
e você fez folia na sala da minha cabeça
comeu e bebeu do que eu tinha guardado
gargalhou ao meu ouvido
andou pelos meus olhos
sentou sobre meus sentidos
e agora resolveu deitar nos meus pensamentos.
Pois fique, e durma.
Essa cama te abriga sorrindo.

segunda-feira, julho 25, 2011

àqueles de leão

o sol retorna à sua casa
posto que brilha sobre
um céu-insígnia
planetas te ascendendo
luas te sugerindo
o tom
e tu, debaixo do dia
não há nada de novo sob o sol
que para.
Planetas te rondam
Luas te refletem
o que há de vida
em ti
e tu, leão, rujas
mas não morda.

quinta-feira, julho 21, 2011

Nocturno n° 2

no quintal, a luz avermelhada
acorda, acorda, acorda, acorda
qualquer sombra projetada
no velho muro fissurado
No céu estrelado
nebulosas cantam um velho blues
e pensam sonhar:
songes et mensonges,
vêm de longe, dos meus olhos - luz
Pra se apagar.

domingo, julho 17, 2011

Gatos

Na noite mal iluminada
Sem lua e sem nada,
Ouve o gato atento
Só o uivo do vento
De noite todo gato
Faz-se pardo; de fato
É caçador dos melhores
É a noite de amores:
Alguns gatos-pingados
Estão enamorados!
É noite de gaudério
Para o gato de cemitério
Que vive só, pelos túmulos
Que conhece absurdos, cúmulos.
Sem gaticídio, sem tristeza
A noite é a vossa natureza
Gato, Gatos, que agonia!
Viver da noite e se fartar de dia!  

(Cuiabá, 2005)

terça-feira, julho 05, 2011

Em busca da Felicidade

Meu bem, precisamos de férias.
Descansaremos na metrópole,
faremos amor sobre carros & metrôs
e as luzes doentias dos outdoors
revelarão nosso mais íntimo sentimento
de angústia.
Meu bem, caminharemos
abraçados entre
                     [vendedores ambulantes e
o lixo das calçadas.
Nos amaremos ao som de sirenes, alarmes e
em nossas cabeças desfilará a agorafobia.
Depois, de sobremesa, fluoxetinas.
Meu amor, vem comigo pra metrópole,
lá onde há estresse e tudo é cinza,
compraremos a felicidade em doses de consumo:
liquidações e fast-foods.
Depois, antes de dormir, uma anfetamina pra
criar bons sonhos antinterioranos.

sábado, julho 02, 2011

O meu amor

Meu amor rasgou-me os olhos
Jorrou sangue e soro
Brotou uma flor de maracujá
que deu sono e um tanto de esperança
Amor meu 'rancou-me os lábios
e agora desbocado
                            (xingo a província)
vou por aí, cosmopolita e trágico
O amor me esfaqueou
Me encheu de furos pelo peito
costas garganta estômago costelas
mas deixou livre o coração
Agora agonizo um bolero descompassado
Assisto uns enlatados 
E guardo muito bem guardada a faca no coldre da
poesia
Agora o amor me deve uns contos
uma internação na santa casa
e - pra você ver - me deve abrigo.

domingo, junho 19, 2011

Poema-Memória.

                                                            A Maiakóvski
Conclamo as estrelas exiladas
- Ouvirão meus companheiros?
- Eles [meus companheiros] ouvirão?
Inúteis são as luzes da cidade,
Se há escuro nos nossos meios.
Já não temos motivos para festa:
A vida anda apertada em filas.
Esses dias de suores e trabalhos
Amargam homens e mulheres.
Penso no futuro que já vem
Sem pedir licença, 
Atropelando nossos sonhos.
E o que nos resta é crer no absurdo.
Em ti, camarada, procuro um pouco de
                                                   [paz,
Mas teus versos são inflamados.
Em ti novas dores, primaveras e um amor
Que se libertará.

sábado, junho 18, 2011

Poema Insosso

Tenho errado a mão.
E o que me fica é o gosto
                     [de incoerência na boca,
De uma massa que não vingou,
Que está presa em uma forma torta
- Involuntária.
Procuro me ingredientar, mas minhas
Especiarias se perderam
Pelo meu chão sujo.
E eu, reles, misturo minhas vontades
Contidas em xícaras e colheres de
Indefinições.
Amasso meu futuro, para que caiba
Nos meus planos tolos.
E, quando levo ao forno,
Percebo que não há fogo.

sábado, junho 11, 2011

Madrugada Fria

Numa madrugada fria
eu ia e ia
por aí afora
fora de mim
pensando
ando
em você seria minha pele
lembrando
da sua?
assim eu ia,
aí eu nessa sala vadia
ia por aí à beça
cabeça vazia eu ia ainda
querendo
sua pele na minha carne
nessa vida ida madrugada,
'inda fria.

quinta-feira, junho 09, 2011

Um fim de tarde e um amor.

O meu amor adora esgoelar-se na sala.
Chama-me patife, babaca e escroto.
Ri alto - do alto de sua embriaguez e absurdo.
O meu amor pega pesado no batente e no
                                                  [cacete.
Suas mãos são leves, mãos de ladrão:
Meu amor destroça quaisquer possibilidades minhas
                                [de felicidade, ínfima que seja.
De repente, abre-me os olhinhos e os cospe lágrimas.
Meu amor é um anjo! Deseja virgens-marias e santas causas.
Invade meu fígado, e num instante bole com a bile.
É chegado num etílico e se dissolve se acuado.
Meu amor é assim: Homicida e filantrópico.
É de lascar!
Mentiroso e ridículo como ele só,
É um James Dean morto e sepultado.

terça-feira, junho 07, 2011

O Signo das Coisas

pede-se silêncio:
nas bibliotecas e nas cidades.
os livros não me calam,
carros me gritam o caos.
o mundo me chama de arredio,
o fogo das grandes corporações
                           [me queima o ventre.
querem que eu dê a luz à obediência.
aborto a poesia - que nasce num choro in blues.
querem calar-me às pressas.
querem calar-me as preces.
o céu me supõe cinza, mas por trás de toda roupa
há pele, há vida, há o que brotará do medo infértil.

domingo, maio 29, 2011

Odisseia

                                      Para uma noite ligeiramente fria                                 

A lua me sorria - frouxa.
Sinais de antenas se
                             [confundem com estrelas.
E eu atravesso crateras asfálticas,
epopéias criadas por galos abandonados,
árvores desapropriadas de companhia.
Nessa imensa volta, prédios e pedidos.
A cabeça, cheia dum passo lento, propõe:
- Deixe que o compassar desse coração tolo te guie.
E penso, sob a noite pouco fria, nas todas revoluções.
A minha única não tem bandeiras ou ideologias.
É a revolução de um mundo orgânico,
                                                       [pulsando em mim.
- A odisseia dos que se creem mais vivos, matando em 
                                                      [si gigantes e deuses.

domingo, maio 22, 2011

Fragmentos.

"(...)Eu já arranhei minha garganta toda
Atrás de alguma paz
.(...)
Eu marquei demais, tô sabendo
Aprontei demais, só vendo
Mas agora faz um frio aqui.

Me responda, tô sofrendo:
Rompe a manhã da luz em fúria a arder
Dou gargalhada, dou dentada na maçã da luxúria
Pra quê?
Se ninguém tem dó, ninguém entende nada
O grande escândalo sou eu aqui
, só.(...)"

Escândalo - Ângela Rô Rô.

sábado, maio 21, 2011

Retrato Abstrato

Se medaram meus meios:
Saudadezas do choves
Nos dias em que sertaneia-me.
Eu tempo e nublo um céu irradio.
Vontade de ser todossó,
Para solidonizar também teus olhos,
Para que tu vejas-a-mim somente.
se acontecesse, cesse em mim, ti.
Eu contigo, teu comigo. 

sexta-feira, maio 20, 2011

Indumentário

Ando cheio de tudo
Ando cheio de 'quandos'
Ando cheio de 'hojes'
Ando cheio de 'segundos'
Cheio de nove-horas
Cheio de terços, terno
Cheio de quartos, quadras
Cheio de 'agoras'
De coisa e negócios da China
De negócios e coisa à tôa
De modos, medos: mudo
De vontade de mundar
Ando cheio de nadas

quinta-feira, maio 19, 2011

barroco

A luz alaranjada se antepõe
Sobre teus marejos,
Sobre teus escuros,
E te propõe que te deixes, lívida.
As sombras te deslizam:
Sobre teus sussuros,
Sobre teus arquejos,
E te avisam que te deixas lívida.
Sei dos teus intrincados sentimentos...



Mas é claro que no amanhã há luz.
  

segunda-feira, maio 09, 2011

Sobre benção

                                                   à minha mãe

Teus terços e santos,
E teus dias, teus serviços,
Teus ditos, teus sonhos,
E teus cantos e vestidos,
Se espalham pela casa, minha mãe,
E são minhas orações
silenciosas;
E são minhas intenções
silenciosas;
E são minhas criações
silenciosas;
A ti, minha mãe, dedico uns versos tortos,
Como tenho sido, como tem sido a vida,
E creio: Lerás o torto em linha reta.
Porque o que parte de ti, minha mãe, é luz
À sua benção, minha mãe. A sua benção, minha mãe.

quinta-feira, maio 05, 2011

Oração ao Santo.

São Longuinho, são Longuinho,
Se eu a encontrar, dou-te três pulinhos.
São Longuinho, são Longuinho,
Se eu a encontrar, dou-lhe uns beijinhos.
Mas se não encontrar, meu santo,
Ponho termo à minha existência.
Porque o que pesa, meu santo,
O que pesa mesmo é esse nó
Esse nó na poesia.
Na poesia que,
São Longuinho, não seja longa
Essa espera.
São Longuinho, meu santo,
Que eu me ache,
Que eu a encontre,
Que eu dou meus pulos!
Teus pulos.

domingo, abril 17, 2011

Teus Olhos

Há tanta coisa
Escondida
No escuro dos teus olhos
Tanta coisa no
Profundo
Dos teus olhos
Tantos
Desejos nos meus
E nos teus
Tantos olhos
Um tanto de
Mistério
Olhos invendáveis
Aos olhos meus

sábado, abril 16, 2011

Poema de Dia.

Gosto de ti, céu azul
Quando moves teu corpo
E te colores de escuro,
Quando te bordas de brilho
À luz solitária de estrelas.
Gosto de ti quando me sonhas.
De ti, amplo espaço habitado
Por loucos cosmos rotineiros,
E dos teus choros, teus lamentos,
Dos teus cinzas tangados
E do abrigo que me supões dar.
Gosto do teu silêncio,
Dos teus olhos
Onde começam promessas
Onde terminam promessas
Onde me consolas com teu vazio pleno de vida.

sexta-feira, abril 15, 2011

Fragmentos.

"(...)Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra - Talvez por isso, quem sabe?(...)"

"(...)enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Mas tão lentamente que eles mesmos mal perceberam(...)"

"(...)Sem terem exatamente consciência disso, quando juntos os dois aprumavam ainda mais o porte e, por assim dizer, quase cintilavam, o bonito de dentro de um estimulando o bonito de fora do outro e vice-versa. Como se houvesse, entre aqueles dois, uma estranha e secreta harmonia(...)"

"(...)Também vieram histórias pessoais, passados, alguns sonhos, pequenas esperanças e sobretudo queixas(...) De muitas coisas falaram aqueles dois nessa manhã, menos da falta um do outro que sequer sabiam claramente ter sentido(...)"

(Aqueles Dois - Caio Fernando Abreu. In. Fragmentos.L&PM.2010)

quinta-feira, abril 07, 2011

Fragmentos.

I
Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.
Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

(Drummond - Nosso Tempo)

quinta-feira, março 24, 2011

nocturno.

A cidade chora à noite.
Há bem-me-queres
E não-tem-comos
Lavadas pelas ribeiras do tempo.
Meus pensamentos nublados
Carregam trovões:
E teus olhos distantes, circunscritos
Nos meus entremeios que
À cidade chora. 

domingo, março 20, 2011

Perigeu

Periastro:
Meu corpo, emplastro,
Cobrindo o teu.
Perigeu.

Estavas próxima, distante,
E minha órbita hesitante
Com medo do apogeu
Perigeu.

Chegarias, tal qual lua,
E minha luz e a tua
Se arrefeceu:
Perigeu

sábado, março 05, 2011

Carnaval

Pinto-me com mil cores
E espero, sentado:
Quando esse bloco passar,
Haverá festa na minha ala.
Minha fantasia, debaixo de holofotes,
Perde o tom.
Meu samba, debaixo de repiques,
Perde o tom.
E eu, sob um céu de serpentina,
Espero sentado
O fim desse desfile de sensações.

quarta-feira, março 02, 2011

Céu

Tuas pintas são estrelas
No teu corpo-firmamento.
Se pelo dia tu me clareias
Com teu riso em luz,
É à noite que falo a ti
E me respondes, num marulhar doce,
Qual vida celeste:
Canções desabitadas vêm nos visitar.
Adio um poema,
Esperando o momento de me juntar a ti,
E, quando súbito, o instante chegar,
Vagarei sem órbita sobre teu corpo,
Sobre teus mistérios, pedindo-lhe apenas
Que me deixe pousar sobre teus segredos.
As tuas nebulosas, teus astros,
Serão minha poesia cotidiana.
E tu, mandando-me estrelas cadentes, 
Num céu marcado por desgovernadas paixões,
Me abrigará ínfimo: poeta e sonhador.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Eu Inter-Calado.

                        Palavra foi feita para dizer.
                                       (Graciliano Ramos)
                       Poesia não se faz com versos.
                                           (Torquato Neto)

Cala-se o eu e o verso em mim.
O poeta, que é o resultado da poesia,
Há de ser somente instrumento
Da língua que tudo diz e tudo cala.
Poeta não é quem escreve rimas,
Poeta não é quem expressa sentimentos,
Poeta não é quem ama, ou crê que ama:
O poeta deverá ser o filigrana esquecido sobre a vida.
O poeta será o último retrato que se rasgou.
O poeta, seja o que for, será rei cego em terra de olhos.
E que a poesia sobreviva às bombas holofotes amores
Versos tolos e um tanto de dispensa oculta de ego.
Que a poesia se safe dos arranhões espinhos fossos
Armadilhas ilusões devaneios encomendados.
Que a palavra venha, e que eu permaneça inter-calado.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Três Haikais Expirados

I.

Tu sai com tuas "nêga"
Depois vem pedindo arrego
Desse jeito, não!

II.

Cuspindo poesia
Nossa! Má educação:
Verso um tanto sujo.

III.

Falta algo no texto
O que falta está em ti
Pronto: Falta fé.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Poema Saudoso

Quando você vier,
Seja como o sol
Que nasce lentamente
Carregando as horas
Num embalo leve.
Seja como o fruto maduro
Colhido no tempo farto.
Sê a que for.
Quando você partir
Vá pelas sombras
Dos meus modos nodosos
Num passar saudoso.
Vá num adeus doce
Como a última folha
De um outono breve.
Sê a que foi.

domingo, fevereiro 20, 2011

Poema Grave

                                                     A Antônio Sodré

O tempo te levou
Numa sexta-feira de verão.
O céu estava grave,
E você, sobre o inextricável destino,
Passou breve, sonhador.
A poesia que te viu
Fechou os olhos,
Mas abriu a boca num grito hermético:
Transmutou-se, enfim, poeta.
E a vida passava na tua charla;
Na barra da calça dobrada;
Nas tuas músicas, teu passo lento;
Na tua solidão.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Poema Para O Amor Que Virá

São Horas. É tarde.
Espero à porta, ansioso,
E o amor tarda em chegar.
Virá como das outras vezes?
O novo amor será hóspede.
A janta está pronta, a luz acesa
Janelas abertas recepcionam sua chegada.
Mas o amor talvez não saiba vir.
O amor se perdeu nos caminhos,
Ou passou direto, me deixando aflito.
Enderecei-lhe cartas com versos decassílabos,
Selei e destinei. Mas o amor não cumpre destinos
Nem ditados, nem direitos.
Seguro nas mãos meus poemas ainda não escritos.
Janelas acesas pro mundo, luz em mim.
Mas o amor tarda em chegar.
Talvez chegue atrasado:
O amor, às vezes, se atrasa.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Mentira.

                                         O poeta é um fingidor¹

Eu sou a mentira escrita
Em versos brancos.
A mentira que vira poesia
Cotidiana,
A celebração do falso,
O mito midiático.
Eu sou a mentira revelada,
Indisposta,
Conveniente e pré-moldada.
Eu escrevo inverdades,
Eu conto anedotas,
E tu crês.
Faze de mim reza,
Ladainha,
Faze de mim seu credo unânimo,
Sua tábua de salvação.
Faze, e deixe-me fazer versos tolos.
Debandados.
Idiossincráticos.
E eu recordo todos os versos já escritos em
    [tabacarias, livros náufragos, folhas paulistanas e em mim.



¹Autopsicografia. Fernando Pessoa.

domingo, fevereiro 13, 2011

A massa

A massa se ama.
A massa amassa
Moças, maços de messes:
Ameaça e ama. Se
A massa amasse
Omissa...
Mas cessa e some.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Poema Para Uma Relação Incompleta

Sou botão preso à casa.
E a linha que perpassa o vácuo
Segura-me, ajustado, ao ponto ideal.
Mas num momento qualquer,
Num gesto inseguro ou num toque firme,
Me deixam solto. Tu, casa. Eu, botão.
Longe de ti, interrompido pelo peito,
Sou coisa a tôa, ninharia, preso à linha.
E tu, casa aberta, esperando a noite
Que chega e nos separa, e cá ficamos:
Jogados sobre a cama, abandonados.
Espero a nova manhã em que eu, contigo,
Unindo duas partes de uma coisa só
Estaremos juntos.
Mas você casa.
Eu, no caso, botão.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Fragmentos.

"Talvez, num lugar que não conheço, aonde nunca irei, more alguém que está à minha espera... E que jamais verei, jamais..."
(Guimarães Rosa - Sagarana)
 

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Genuflexo

O Sol nasce na janela insensível.
Pergunto a Deus se há motivo para que
                           [as coisas estejam como estão.
Não ouço a resposta. Talvez nunca ouvirei.
O céu me pergunta se há chuva em mim.
Já não importa.
Este é o tempo de poemas breves, amor escasso e vias de regra.
E, à tarde, num genuflexo pomposo, o Sol se porá.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Poema Para Quando Você For

Te vejo saindo dos meus braços.
Será de outro, que tanto necessite de ti.
Irá e percorrerá o corpo desconhecido.
Irá, e fará pulsar outro coração,
Que só baterá por sua causa.
Mas ainda sobrará você em mim,
Não como lembrança, mas como vida,
Porque é de você que preciso pra viver.
Em ti há o mistério,
O rubro mistério,
O mistério da partida, chegada, rubro amor.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Fragmentos.

"Eu quero tudo
Que dá e passa
Quero tudo que se despe
Se despede e despedaça
O que é bonito..."

(Lenine - O que é bonito)

sexta-feira, janeiro 14, 2011

Poema Artesanal

                                       à Allê Rodrigues

No que toca ao tempo
Quem te vela é a vida.
Quando cinge o amor
Quem te tange é o sonho

E a poesia cotidiana,
Que te faz artesã
Brinca entremoldurada

Louca, desavisada
Quase pagã
Quase cigana
No teu laboratório místico.
Da cera que vira vela
Se vale a poesia que vira voz.
E o fogo dança na corda bamba que é o pavio.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Fragmentos.

"A poesia, sabe? Acho, naturalmente, que nada existiria de mais belo, se ela fosse verdadeira, se os poetas pensassem tudo o que dizem. Mas muitas vezes ninguém é mais interesseiro do que essas pessoas. Sei o que digo, eu tinha uma amiga que amou uma espécie de poeta. Em seus versos, ele só falava do amor, do céu, das estrelas. Ah! Como foi enganada! Ele lhe devorou mais de trezentos mil francos."

(Odette, personagem do livro "um amor de Swann", de Proust)

terça-feira, janeiro 11, 2011

Soneto de um dia.

                                                 à Thaísa Soares

E você diz "viajar é preciso".
Sob um céu de promessas,
Uma vida que te interessa.
Ao encontro de um novo riso,

De novas gentes, novos lugares.
Você quer partir: outro rumo
Lá fora, novo sol, e o sumo,
Um gosto, a intenção de amares,

O barulho das ondas, da brisa,
É a claridade dos dias estrangeiros
Onde há versos mensageiros.

E, tudo o que se precisa
O tempo nos dá, e nos avisa
Que dele somos companheiros.

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Fragmentos.

-Se tudo é imperfeito, nesse mundo imperfeito, então o amor é perfeito em sua imperfeição.

(O Sétimo Selo, Ingmar Bergman. 1956. Fala de Jöns)