sexta-feira, julho 27, 2012

Viagem

Um café fumega a calma do dia
Estamos além
Nas beiradas do mundo
Nas franjas do horizonte
Um café Maria-fumaça
Escorrega pelas minhas ferrovias
Apita:
Fiapos de sol dançando aos meus olhos
São em novas paisagens que penso em ti
E brinco
Caso me suponhas
Montes e serras
Nuvens e neblinas
Saberás que sou eu toda a terra que agrego
Para depois revolver essa paisagem
Num doce movimento de especulações

quarta-feira, julho 25, 2012

Três Poemas De Amor Face Ao Desencontro

Tenho um verso de amor
 Entalado na garganta.
Engulo seco sempre
Que a língua pronuncia
Um sentimento escondido.
Minha vida sinuosa rasga
Campos e nuvens:
São nossos corpos tão separados
Pelo desejo abafado pelo
Desencontro.
Tenho um verso de amor
Em vias de acontecer.

*

Já é noite e você ainda não escuta meus passos
Já um adeus está ensaiado em nossos gestos
Olha – te peço em segredo
Vê como se antecipam minhas palavras
Em direção às suas?
Vou longe quando descubro teus pensamentos
Céleres me convidam para nossa última dança
Mas eu não estou
Parti junto com os resquícios do horizonte
Te vejo ainda, nas árvores e no silvo do vento
É tua face que procuro junto às estrelas e luas
Mas você não está
Tomamos rumos diferentes
Enquanto a vida
Transpunha seus modos
No dia nodoso
E éramos díspares, cúmplices, sós.

*
Quando ouvires minha voz
Saberás que o som ecoa no
Nosso universo
Vácuo em si mesmo e paciente
- Um objeto esquecido sobre o aparador
Dos nossos olhares.

Quando ouvires minha voz
Será como um beijo no tempo que não tivemos.

terça-feira, julho 24, 2012

Partida

Escuto tão próximo o balbuciar da noite
E espero sem demora o desenredar de estrelas
- O céu é grande demais para caber dentro dos meus olhos
Para onde se move o tempo?
No encalço das circunstâncias correm as horas
Com mil bocas te canto a distância
Mil dias esperavam pela minha partida
E sou eu, só, brincando no mistério pueril das mudanças
Parto para uma nova terra
Deixo cá – guardado numa redoma de vontades
Um tanto de desejos e inebriações
Volto – não saberei.
Assim como não posso descobrir o que me guarda a noite
As canções ainda não descobertas
E as estrelas, tão distantes quanto meus próprios
Sentimentos.

sábado, julho 14, 2012

Antropofágico.

comi todos os meus filhos:
devorei-os todos.
as pernas, o colo
o ventre frutífero
tinham todos, os meus filhos, gosto
de imaginação e repugnância.

deglutia meus filhos num misto de
compaixão e terror.
eram em mim a poesia pachorrenta
dos dias quentes
eram em mim a roda da fortuna
o desejo iminente de morte
o cálix bento e redentor
o beijo, tiro de misericórdia,
alumbramento.

meus filhos eram palavras que vingariam.

e eu os vomitava
todos esfacelados
abusados pelo meu fel gramatical.
uma dose de mentira.
um trago de vida.
e caíam, eles caíam
do céu da minha boca
- eram anjos carbonizados
se espalhando como cinza
de cigarro
sobre o papel das circunstâncias.

nunca saciado (embora sempre cheio)
me deitava sobre a amplidão do universo
e contava estrelas forjadas
- poliestireno
esperando adormecer.

meus filhos enzimáticos viveriam de significados.

eu sonharia com os próximos rebentos
e musas.

quinta-feira, julho 05, 2012

Elegia indelicada

vem, meu amor
galopando sobre a madrugada
com tua língua bendizendo
nosso sexo
traga nas mãos nossas armas depostas
espalhe nossos versos pela
claridade da noite
e te apressa pois são vorazes
as bocas do mundo
para devorar-te aos poucos
quando chegares, amor
arrancarei tuas asas
com meus dedos impregnados de eras
e beijarei tuas feridas
até que te cures de ti e de mim
desposaremos a noite fria
e os cães ladrarão à loucura
dos nossos espectros transfigurados
em meio à luz da saudade
partirás, então, amor
e levarás contigo todos os quereres
amarrados em teu cabelo
e já quando amanhecer
interpretarei teus rastros sobre a escuridão
amarei tuas pistas e coordenadas
mas não mais te verei
já perdida pela luz do dia
partirás, amor
mas deixarás teu cheiro claro de alfazema
a lembrança de teu ventre florido
e as sempre-vivas espalhadas sobre nossa cama
de ti não guardarei lembranças
e teu nome será sempre secreto em minha boca
de quando em quando rasgarei minha pele
à procura de ti
ou mesmo vasculharei teus pertences
esquecidos sobre a nódoa do meu tempo
não bastando
deitarei meu ouvido sobre essa terra infértil
e esperarei, amor, teu galope confuso
como a tarde invisível que sorri para nosso
acaso.