terça-feira, dezembro 31, 2013

trajetória

um punhado de sol
lançado no horizonte
fragatas dispostas no céu
(- e o vôo, intermitente)
avencas em cacho
e depois a noite
o sussurro do tempo
o alvitre de estrelas
escuro movimento das horas
a vida - o que quer que seja
é sempre a repetição dos atos
um roteiro conciso uns papeis elementares
                  [num cenário cheio de roldanas
                  [cordas que se sustentam nunca param
                  [conduzidas pelos ventos das mudanças
mas somos homens e somos mulheres
o intervalo entre o sim e o não
fracos de memória
sem papel que se consiga decorar
não levamos jeito com essa coisa
nem deixamos barato para o mundo
insistimos batemos brigamos & cremos
gente - nós cremos
no futuro que não está aí
pachorrento e displicente
com sua pança e seu bigode
e que vem devagar
trazendo junto às mãos
tão cerradas quanto nossas dores
possibilidades de renovação
amiúdes quinquilharias
que aceitamos com todo o gosto

quarta-feira, dezembro 04, 2013

filosofia

antes de tomar minha cerveja
derramo um gole pro santo
e acompanho aquele líquido
percorrendo o chão de cimento
como uma serpente
tentando sobreviver
tomando espaços tortuosos
e daqui de cima
de onde posso ver essa
coisa que se forma
me sinto como um deus
criando os rios
e penso
será que esse deus bebia
quando inventou de fazer o mundo?

aqui nesse boteco sujo
bebendo num copo malavado
essa cerveja que mais parece água amarga
me vem à cabeça toda a compreensão
da existência humana.

viemos de um copo derramado
e vivemos a caçar rumo
depois sabe-lá-deus o que será
se é que for
se já não tenha sido.

terça-feira, novembro 26, 2013

Missa

você se sugere
como fosse um ostensório
carregando dentro de si um
deus imolado
em expiação aos meus pecados
e eu que não sou santo
fim-em-si-mesmo
não busco redenção
meas culpas, amém

minha carne viva
que carrega células mortas
(unhas cabelos
crescem e também a barba
cresce como mato meu corpo atlântico
que não cabe no espaço de horas
e no sentido do mundo corpo de poeta
sempre marginal por definição disposto a morrer
e a amar e a ser um desígnio um presságio
ordinário)
e gente e paisagens na lembrança
não cabe no cálice
fique sabendo
o meu sangue se bebe aos litros

-tomai todos e bebei!


domingo, novembro 10, 2013

target

esgueiro-me e
no espelho
é você
o teu corpo granito
que fere mas não cala
casa alcova mortalha
tem meandros adros
que eu percorro - e me arrisco
no trajeto
(no target
eu me perco
e me acerto)
e continuo
pedra de tropeço
calculando cantaria
nos cantos em que não te encontras

quarta-feira, outubro 09, 2013

Trago as loucuras presas por um fio de nylon
Seguro-as firme com as mãos
E pairam no céu, como balões de hélio
Todas elas: loucuras coloridas e de diversas formas
Suspensas no espaço.

Às vezes, é preciso soltar alguma
E deixar que vá e voe para os confins
Por outras nutro grande estima
E as carrego bem juntas ao meu corpo.

Mas não passam de loucuras
Que administro de acordo com as possibilidades do dia
Mas não passam de nadas
Que eu invento e descubro
Quando a noite não dá pé
E a vida se torna impraticável.

Já não sei muito bem, é certo,
Se sou eu mesmo quem as leva
(Todas as loucuras e eu. Todas nascidas da minha carne de poeta)
Ou se são elas que me conduzem
Como asas que se sabem minhas
Surgidas em mim antes que eu existisse
Planejadas na memória das eras

Na lembrança do tempo apagado de poesia.






quinta-feira, setembro 26, 2013

Pele

Tua pele fissura
E pelo abismo
Desvendado de manhã pela primavera
Surgem
- Aos poucos, como folhas soltas no chão de palavras,
Guerras amores pecados capitais
Humanidades
Explodimos canções, amor,
E tocamos o indelicado momento
O sine qua non
(A existência das tardes de descobertas incólumes, pronunciadas por essa língua que cria e destrói apaga e colore)
Silencio!
Corre pela superfície do meu corpo-estado
Um rio intermitente
Atravessa minhas planícies e vales
Escondido pelo tempo:
Seca inverno terra
- Ter havido em mim todas as disposições
E agora hachuras de versos
Ter calado em nós todas as circunstâncias
Fronteiras e declínios
Pudera.

E, depois de nós,
Adiante ali onde as coisas não se explicam

O sol.

terça-feira, setembro 10, 2013

amor e outras coisas nº 4

O amor trafega pelas vias empoeiradas
Toma um desvio
Segue sempre pela pista da esquerda
Onde demais coisas transitam lentas
Anunciando curvas
E repetindo sinais

Estaciona em local proibido.

O amor vem com direção e câmbio automático
O amor precisa de ar
Mas não de travas
O amor tem uma potência de 300 cavalos
Faz 35 Km/L e

Quando arranca, o amor dói.

Balanceado, o amor dura
Alinhado, tem bom desempenho

Mas pode bater ou capotar.

E o amor se amassa:
Às vezes tem conserto,

Leva tempo.

Às vezes.





terça-feira, setembro 03, 2013

Ecrã

Bruxuleavam meus olhos
Respaldados pelo pianíssimo
Que se concentrava
No embargo de minhas orações
Na meia-luz do meu ecrã
No quase transponível gosto

- Outrora me abrigavam as diásporas
Arames; farrapos de condições
E rompíamos o acaso, os muros soletravam
Palavras de ordem. Lembras-te?
E o mundo
(não o cantamos!)
Construiu para si arranjos
Incompreensíveis -

Das revoltas.
Não poderia eu
Poeta, sobretudo gente,
Parar as máquinas engrenagens ameaças
Nem compor um verso livre
Embora humano
Que pudesse salvar o mundo.

Apenas um sussurro,
Minhas mãos de menino, em conchas,
Anunciando o gesto
Pouco delicado
Quase surdo
Do tempo de nós.

quinta-feira, agosto 22, 2013

Oh please don't drop me home

Esse vento que não te roça
Nessas folhas que não te significam
E essa história que não te conta
Desse corpo que não te emborca
É esse rio que não te move
E essa perda que não supera

Esse encontro que te demora.

Lá fora o mundo conspira
Bombas doenças
- O estado é de morte.
A gente é porquê.
Se alastra pela memória do tempo
A miséria que se nos lança à cara.

Não podemos parar
Chegaremos atrasados
Ao grande espetáculo
Para o qual não fomos convidados.
(Pela soleira da tua porta entra uma luz
Provisória, como as coisas da vida.)

Somos uma raça de exceções:
Evoluímos no improviso
Uma gambiarra existencial
Filhos temporões de deus.
Desvios, contornos, atalhos.

E teus pés, repousados sobre o destino
E teus pés.

Já não importa:
Serão solitários os versos
Que abrigam a noite

Na boca em silêncio.











quarta-feira, agosto 07, 2013

Remediando

Nesses dias
De poeira e sol
Assenta pelas
Fendas das cercas
E se esgueira feito
Animal sagaz
A tristeza sempre me encarando
Talvez com céleres passos
Possa eu
Elemento dispare e intermitente
Munido de versos e cânfora
Antecipar minha chegada
Bandeira deposta
Punho cerrado
E enfim
Como sobrevivesse aos dias
Batalhas contra o tempo
A esperança no meu colo de poeta
Se aconchegue feito gente
Nos ninhos da calmaria



domingo, agosto 04, 2013

Texto em reconsideração à poesia.

dormias
quando sussurrei minha partida
o mundo era um arenque na tua boca
quando movias tua respiração de sonho
sem que me despedisse
desfiz as malas cheias de palavras
(uma lágrima desabrochava tuas flores)
e deixei que continuasses
-sempre calada nas tuas manifestações
teu repouso hiato
alumbramento & acaso
ao sair
já me custavam as dobras do tempo
e era branco meu caminho
pisando em falso
nos olhos da cara
e era claro-papel
a falta da tua presença
que me espaçava
diluia
e um verso
um pálido ponto azul
anunciava
que minha volta seria
silêncio morno de estrelas

sábado, junho 15, 2013

anedota

fosse essa polícia instruída
na moral e bons costumes
lesse clássicos
ouvisse chopin
ensaiasse versos alexandrinos
de culto à beleza e ao amor

fosse essa polícia erudita
- bateria
mas com ovídio
ou platão

sexta-feira, junho 07, 2013

Fado


rebanhos de nuvens pastavam longe
olhava colinas pensava no amor
e uma réstia de luz sentava nas folhas
caídas de um tempo refeito de nós

a saudade dançava descalça na relva
seu lenço naufrágio derivando no céu
os mares desatavam as ondas dos modos
e as fragatas partiram levando esse fado

era de noite que o mundo embalava
um gesto de afeto o abraço fraterno
meu corpo lembrança bandeira branca
desejava o regresso à terra fértil

mas foi tudo um sonho
canção esquecida
vida inventada
nos sonhos da vida.

segunda-feira, maio 20, 2013

poema para adeus

de vez em quando
encontro deus ali
pelas ruas do centro
usando um chinelo
velho
tanto quanto sua cara
uma bermuda de sarja
e uma camisa azul
- da cor das dores do mundo
como costuma dizer
deus chora
de saudade da família
e com algumas músicas
que costuma ouvir no bar central
sempre que o vejo
deixo umas notas de dinheiro
caírem próximo aos seus pés
e ele as encontra e ri
mostrando os poucos dentes
- papiros onde se anunciam as leis
e concordamos:
deus é um cara de sorte

na hora de ir embora
-porque o tempo já nos consumiu
e a vida não tá de brincadeira
deus agradece a companhia
meio sem jeito
e eu lhe digo
até a próxima
deus vai indo
com seus passos lentos de eras
e some pra não sei onde
pois no universo tem um canto
escondido pra todo mundo.

segunda-feira, maio 13, 2013

Ao mar, quando embarca meu sonho

Ao mar, quando embarca meu sonho,
Lanço desejos com ambas as mãos.
Mas as ondas tragam e devolvem
Restos de possibilidades em carcaças de conchas.
Um pensamento naufraga:
Disperso entre os delírios das águas.
Uma ave sublinha o céu
- Perdi, certa vez, a inocência do olhar
E alguma poesia dos gestos que se continham
Também escapou voando.
Recordo-me da ausência sentida
Um silêncio atravessava a sala
Ao meu lado, no aparador,
Repousavam objetos do tempo.
Vivi, como se vivem as circunstâncias
Agarradas ao espaço a elas destinado.
Agora, meu sonho partiu novamente:
Aceno:
As ondas tragam e trazem
Murmúrios que se encalham.

domingo, abril 14, 2013

Quando brinca o tempo sobre teus modos

dispõe sobre a toalha do tempo
suas cartas seus ensejos
recolhe as migalhas espalhadas
ajunta em pequenos montinhos
as possibilidades estratégias
ainda em cima da mesa
- aquela em que se reúne a família
para os almoços jantares confissões
e depois guarda em
cântaros
os amores as tristezas
e demais sobras
- os inventários heranças
as ninharias acomodadas em alcovas de plástico
serão colocadas no refrigerador
para uso adequado
"porque sempre retomamos experiências anteriores
bem como conclusões, perspectivas, planos"
pensa enquanto organiza potes e mais potes
muito bem tampados
- assim não se corre o risco de perder as essências
os gestos cores e lembranças
e bem conservados a uma boa temperatura
para no futuro servirem
todos esses elementos
de tempero para quaisquer novos sonhos e
poesias.

terça-feira, abril 02, 2013

cotidiano

                              "O destino do poeta é coisa dele"
                                                              Jards Macalé


o poeta acorda cedo
seis da manhã
levanta-se
o mesmo pijama de sempre
arruma o lençol de véspera
e vai preparar o café
mesma medida para
todas as ocasiões
caminha com passos de gente
abre as janelas da sala
um verso escapa-lhe pelos olhos
livre
disposto a salvar a humanidade
o poeta destranca a porta
à varanda
um verso escorre-lhe pelo pescoço
crispa-o
impetuoso
quer incendiar a vida e propagar a loucura
outro verso
vindo de não sei onde
choca-se contra o corpo do poeta
e outros e mais outros
até que o poeta se recolhe de volta à casa
é preciso respeitar o acaso
aliviar as penas
engolir seco:

nasce um poema.

terça-feira, março 26, 2013

Fragmentos.

"E pergunta-se pela última vez se foi melhor ou pior, se a vida deve ser assim, e o que teria acontecido se ela não, se você e ela, se foi um sonho ou se as coisas são sempre diferentes dos sonhos, e faça um esforço final e pergunte-se se alguma vez você se resignou, e se é porque ela morreu ou porque é velho que você está tão conformado com a ideia de morrer." (A Casa Verde, Mário Vargas Llosa, pg. 349)

domingo, março 03, 2013

Ho incontrato un angelo que non poteva più volar

Quando nasci, anjo nenhum apareceu:
O safado veio dar as caras vinte anos depois.
Pediu desculpas, disse que estava resolvendo
Assuntos burocráticos
E me ofereceu um cigarro.
Fomos tomar café
O anjo e eu
E conversamos sobre os problemas da vida moderna.
Falei que precisava tomar o ônibus
Nos cumprimentamos
E, antes que esquecesse, o cara me disse:
- Ei, Renan, vai ser guache na vida.
Não sei o que isso quer dizer
Mas guardei bem essas palavras
Para os dias
Em que a angústia me beija.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Passagem no tempo V

quando criança
não tive amigos:
brincava com o outro eu
de emoldurar olhares.
um sabiá sempre me assistia da goiabeira.
cantava três vezes e eu negava
aquele mundo todo.
um dia, pedi ao próprio deus
que me tornasse poeta.
o sabiá, naquele dia, não cantou, não:
fez foi bicar uma goiaba,
coçar a asa esquerda
e voar pro nunca mais.
entendi, de repente, que
ser poeta é coisa que não se pede.

sábado, fevereiro 16, 2013

A pipa (ou cena de uma tarde)

uma pipa vermelha
desvenda o céu
ensaiando um passo
de baião
balança fragilmente
assoprada por ventos quaisquer
e respira
embora lhe puxem à terra
e sonha
um sonho de pipa
- encerado
assoviando uma velha canção
para nuvens que se esparramam
e se coram de tarde
uma pipa vermelha
é um coração na minha poesia
que desatina infância e asas inventadas

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Poema para plantar


Compreendo um poema
Que vá crescendo em tuas
Mãos nodosas
Rarefeitas e dinásticas
De trabalhador – inquilino do tempo
Para depois libertá-las
Das circunstâncias de uma vida
Árida paisagem grave
Para depois deixá-las
Maquinando formas
Pássaros, quem sabe?
Representando ilusões
Destemidas mãos de homem
Rude e conformado
Um poema que seja terra
Não demarcada
Livre de cercanias
Palavras versos e vozes
Desmembrando as opressões
Que se exercem sobre os nós
Das nossas cordas vocais
Tão cansadas de (ex)orar
Por um poema que seja
Humano e delicado
Lido um poema
Para nos mananciais dos modos
Ser vida sonho & refúgio.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Diástole

Trago no corpo marcas
De uma incansável luta
Contra a vida.
Na boca, a língua:
Uma espada que não sei
Manusear.
Batalhas eu as perdi
Da guerra passei longe
Mas carrego comigo,
Num pingente de lembrança,
O teu nome.
Parto contra a sediciosa saudade.
E, se tenho mistérios desvendáveis
- Calafetações do meu corpo-memória
É porque encontro em ti
O halo fino que me envolve e adorna:
O amor.

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Polaroide

ando vestido de ti
verde & azul
íris refletindo o mar
e as ondas do tempo
que vem
e que vão
voltam
às circunstâncias
que nos levam para longe
mas há qualquer coisa em tuas mãos
quando seguram as minhas
e já não bastam as horas
e a ressaca das nuvens à tarde
não falam as bocas do sol
apenas tuas palavras incrustadas
nessa minha carne
teus passos
imprimirás no meu destino
e  os braços da vontade nos
dando alento
saberás que te encontro em mim
pois ando vestido de ti
verde & azul
como as cores que sonhamos
juntos
nas composições desse retrato
que se revela
aos poucos
como um beijo no tempo esperado.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

De repente, Calêndula

Teu gosto é de terra.
Te chamo lonjura
Saudade anunciada
Pé-de-flor crescendo
Em meio a tanto mato.
Tens a cor do meu sol
Adubo um beijo em
Tua boca distante.
Abrevio meu verso
Para caber direito
No teu colo, tua pétala
E destino, às sementes
                    [do tempo,

Um revolver de sorrisos.


segunda-feira, janeiro 07, 2013

Madrigal para se crer

antes de surgir o tempo,
éramos famintos, arcaicos, crianças
dançávamos sobre os braços cruzados
                                               [da história
e, assoviando à tez do dia, fomos inteiros.
por trás dos dentes da noite
vibramos como notas como pele como
íris assimilando as cores do desejo
e depois descansamos, à sétima aurora,
sobre a relva das palavras que inventamos.

antes de fugir o tempo,
pegamos carona em ventos estrangeiros
e beijávamos a boca do chão
porque o que nos abrigava
era rota, estrada, caminho
um pássaro cruza a vertigem
das possibilidades:
e nós, céleres, partimos rumo
ao inexplicável encontro de acasos.

olhe: há um redor que nos ofusca.
arremedo de mãos, toques na mais
presente circunstância.