quinta-feira, março 29, 2012

Miríades

O que tenho de ti,
Senão as miríades de palavras
Não ditas
Que escondo em meus ouvidos?

O que, de ti, no calabouço dos
Meus sentidos,
Está prestes a me salvar?

Onde é que te canto
Nos meus murmúrios,
Com que ar me inflamas,
Eu, fogo,
E logo foge,
Enredando meus modos?

O que sei de ti,
Além das tuas ausências
Tão impregnadas nas minhas falsas procuras?

E com que direito? Virias.
Com que gesto incólume? Me
reconhecerias.
E partirias, tão breve é meu colo.

Não venhas.
Deixa-me com teus vestígios
Que projeto

Na sombra.

No chão do meu pensamento.

quinta-feira, março 22, 2012

Poema para o mundo

Beijo os olhos do mundo.
Acaricio seus frágeis cabelos
Sussurro-lhe pelas costas algumas palavras
                                    [incompreensíveis:
Palavras de quem não se ouve mais a voz:
A voz do mundo que é minha também.
Colo minha face à face do mundo
E a frieza que me corrompe
Só pode me dar um indício:
O mundo tem febre.
À noitinha, quando já se deitaram
Todos aqueles que arrastam o mundo,
Ele se deita em meu colo cansado
E eu o consolo
Com um simples e breve suspiro.

terça-feira, março 20, 2012

Amor e outras coisas n° 2

- Querido, não se esqueça do aluguel
também IPTU, IPVA, água, luz
e o dízimo do senhor Jesus,
além da conta da embratel

- Amada minha, quanta felicidade!
ganhei na loteria!
veja só, quem diria?
vamos até mudar de cidade!

A moça se empolga, faz as malas.

O cara também.

E foge com a amante.

domingo, março 18, 2012

Meu amor, não me encontre

vivo numa cidade potencialmente grande
com menos de um milhão de habitantes
mas não encontro um amor que me console
sequer que me olhe com lascivia ou ternura

ainda bem!

de que me adiantaria um amor
se não poderia dar-lhe de beber
pois falta água?

meu amor talvez não me encontre:
engolido pelas enxurradas
da fernando corrêa em dia de chuva

meu amor talvez não venha
- preso em algum engarrafamento
às quatro da tarde

meu amor caiu em algum buraco
desses que facilmente encontramos
por aí por ruas avenidas e corações.

é tão difícil meu amor me ver!
meu amor anda distraída olhando notícias
absurdas em outdoors.

meu amor está ressabiado
meu amor tem medo que lhe aumentem o IPTU
meu amor não quer adoecer e parar no pronto-socorro

em segredo mando uma carta ao amor
pedindo-lhe que não me encontre
porque viver assim anda difícil
e eu nada posso fazer
além de ter calma e escrever um poema.


quinta-feira, março 15, 2012

À mulher que eu amo.

a mulher que eu amo
acorda cedo
caminha longamente
pega um ônibus lotado
e vai trabalhar numa
loja de auto-peças como
vendedora de válvulas termostáticas

a mulher que eu amo
rala durante oito horas
mas precisa de mais duas
pra voltar pra casa
e no trajeto
carrega um sentimento íntimo
de tristeza e profundo
descontentamento
com o calor que faz
embora seja noite
e com o sonho que tem
embora seja bobo:

a mulher que eu amo
espera chegar em casa
e não encontrar ninguém
tomar um banho de portas abertas
depois comer qualquer besteira
e esticar as pernas no sofá
ouvindo o cd que ela mesma escolheu

mas acontece que
a mulher que eu amo
tem uma vida de merda
além de um pé de manjerona
e uns olhos que nunca me viram.


quarta-feira, março 14, 2012

haikai.

é tão difícil
ganhar algum concurso
penso e desisto

Experiência poética n° 2 - Da utilidade da poesia

a poesia pega senha
enfrenta fila
espera horas para ser atendida
por uma moça excessivamente maquiada
que lhe diz que não há vagas
na vida das pessoas
porque sua utilidade perdeu há tempos
a renovação estilística a qual deveria
ter se adaptado
holerites extratos contratos
- a poesia, meus senhores, a poesia não fala a língua do dinheiro.
Precisa fazer urgentemente um curso técnico em finanças
depois é claro deve se especializar em bancos e dívidas externas
a poesia sai desmantelada
tentando compreender seu lugar no mundo
querendo atenção dos transeuntes cansados
dos dias cansados
da vida cansada
e a poesia passeia em dia útil
por uma via em que quase ninguém trafega
a via dos sonhos
via as coisas como são e como serão
e a poesia se senta num banco da praça central
às três da tarde
e espera que lhe façam companhia
lhe contem causos
ou lhe leiam notícias dum jornal que de poético não tem nada

segunda-feira, março 12, 2012

Amor e outras coisas

Pela janela, uma agradável noite de outono
A lua em seu posto radiante
Ilumina os sonhos da jovem que espera
Um homem (ou talvez mulher) que venha
Lhe amar e salvá-la do tédio da noite enluarada

A jovem suspira - um sinal de cansaço
Uma espera pelo amor
Um aviso: as coisas não vão bem
Mas é uma noite de outono
Propícia e romântica:
As flores do jardim exalam doce perfume
A lua revela formas indefinidas
A paixão é qualquer coisa que espreita,
Na noite, o coração da jovem sonhadora...

Em sua sala quase tudo está de acordo com o amor
(móveis, cores, posições, ares...)
Menos o ventilador
Que apresenta problemas com a tomada e
Vez ou outra enguiça
E o amor, o amor some no
Calor da noite romântica e enluarada
Noite de espera e sonhos.

A jovem suspira - um sinal de cansaço
Uma espera pelo amor
Um aviso: as coisas não vão bem
Precisa mexer na tomada até que o ventilador volte
                      [a funcionar e o amor retorne, desconfiado.

Essa cena se repete tantas e tantas vezes
Que, no fim das contas, é a moça que tem
Um coração enguiçado
Uma vida enguiçada
Que só funciona quando lhe mexem nos problemas.

sexta-feira, março 09, 2012

poema sem título

que sonho você tem?
que mentira você conta?
que música te toca?
onde você mora?

que sonho você conta?
em que mentira você mora?
que música você tem?
onde você toca?

que mentira você sonha?
em que sonho você mora?
que música você conta?
onde você mente?

o que não faz parte da sua vida quando tudo que você precisa é se desintegrar com as situações que te ferem e te inibem de ter uma vida melhor quiçá melhor na verdade porque nunca se sabe ao certo que vida teremos futuramente e apesar disso vamos sempre seguindo rumo a algum lugar um pequeno passo para o homem mas um grande salto um grande salto um grande salto um grande salto

com que direito você me olha com esse sorriso e me perturba com pensamentos que são meus próprios? Afinal, com que intenção você se coloca dessa maneira no mundo e depois, sem me pedir, talvez sem nunca falar, você com que direito, meu deus, com que direito você

é tua razão se é que há
seus modos se é que estão
na sua verdade se é que é sua
coisa se é que eu sei

Por que? 



segunda-feira, março 05, 2012

Adiante

É preciso sempre seguir o adiante
o adiante que vai daqui pra lá
via de mão única
e não se pode nem olhar pra trás
É preciso sempre seguir o adiante
com fé no que virá
adiante como um futuro claro
mesmo sendo escuro o que se encontrar
É preciso seguir o adiante lendo versos
ouvindo vozes e
vendo a vida se embrenhando nos matos
do pensamento
É preciso sempre seguir o adiante
porque o adiante é a única garantia
a lanterna acesa no escuro do mundo
O adiante é uma convenção estabelecida
uma ajuda aos que sofrem dos males
que abatem a existência
O adiante é uma possibilidade de ser
participante dos acontecimentos da natureza
É preciso sempre seguir o adiante
sermos sombras do adiante
alcançá-lo enfim
até apunhalá-lo pelas costas
e esperar distante que ele morra
adiante e solitário

quinta-feira, março 01, 2012

Cristo sem braço

Empoeirado,
em gavetas burocráticas
que pedem socorro, está
o Cristo sem braço.
Abraça o Rio
de Janeiro, Cristo.
“Abre teus braços
e canta esta última esperança”.
Perdido entre processos
e protocolos, está o velho Cristo
de dois mil anos atrás,
já enferrujado
pela displicência
dos homens engravatados
que passam arquivados
em velhos costumes.
Cansado
de mudar o mundo, Cristo.
Piedoso, ora pro nobis.
Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.