sábado, julho 14, 2012

Antropofágico.

comi todos os meus filhos:
devorei-os todos.
as pernas, o colo
o ventre frutífero
tinham todos, os meus filhos, gosto
de imaginação e repugnância.

deglutia meus filhos num misto de
compaixão e terror.
eram em mim a poesia pachorrenta
dos dias quentes
eram em mim a roda da fortuna
o desejo iminente de morte
o cálix bento e redentor
o beijo, tiro de misericórdia,
alumbramento.

meus filhos eram palavras que vingariam.

e eu os vomitava
todos esfacelados
abusados pelo meu fel gramatical.
uma dose de mentira.
um trago de vida.
e caíam, eles caíam
do céu da minha boca
- eram anjos carbonizados
se espalhando como cinza
de cigarro
sobre o papel das circunstâncias.

nunca saciado (embora sempre cheio)
me deitava sobre a amplidão do universo
e contava estrelas forjadas
- poliestireno
esperando adormecer.

meus filhos enzimáticos viveriam de significados.

eu sonharia com os próximos rebentos
e musas.