quarta-feira, junho 27, 2012

homenagem póstuma esquecida pelo tempo

- morreu como quem dormia
é o que pensava quando me dispunha
a ver os mortos todos que atravessaram
minha existência tão cheia de vida
talvez não seja assim
não sei (ou saberei) como foi exatamente
que morreram todos sequer algum deles
tão solitária é essa morte
tão mesquinhos e egoístas são os que se permitem morrer
eu pensava
mas morre-se como quem dorme
também os bichos
também as plantas do quintal de casa
(o velho cajueiro já roído pelo tempo
a goiabeira que sofria intervenções do vento impune
a sete copas - lembra-se, minha mãe, daquela tempestade de 95, talvez 98, não saberei ao certo, quando a sete copas ameaçou cair involuntariamente sobre nossa casa? - já infestada pelas erva-de-passarinho, que parecem-se conosco, sempre tentando sobreviver, mas também morrendo aos poucos...)
morrem os sonhos
os velhos hábitos conjugados pela maturidade
nossos planos
- todos como quando dormimos
e já não pensamos em nada além do próprio sono
essa quase morte que nos deixa no limiar da própria vida
ambíguos e humanos como não poderíamos deixar de ser
só não morre o mundo
tão castigado e velho
também não morre o cheiro de crisântemo das primeiras horas do sol
nem as pedras tão esquecidas e tão cumpridoras
do seu papel de seres que são o que são
(e nós, o que somos além daquilo que inventamos?)
não morre o medo desse futuro que vem de não sei onde
e passa ligeiro como um boeing 747 voando a mais de mil quilômetros por hora
só nós não passamos
só nós insistimos em ficar e morrer
morrer como quem dorme
na inútil perseverança da vida que não se desintegra com suas perdas.