sábado, janeiro 28, 2012

Experiência poética n° 1 - Da polivalência literária

a literatura surge no papel
conduzida num andor
por poetas irreconhecíveis
homeros petrarcas camões
pessoas drummonds bandeiras gullares
todos eles carregando suas funções
suas fomes
e seus medos
assim como eu carrego o século 21
arrasto - na verdade -
os poetas também arrastaram suas vidas
os pés repletos de lama de mundo
ar de mundo nuns pulmõezinhos literários
e sobre o andor a literatura
parca às vezes pra esse mundo escurecido
decadente e solitária
com uma coroa murcha de léxicos
destronada e simbiótica
presa em falta-de-papel
revisões sentimentais
processos administrativos
aceitação da editora
percentual de venda
sentada esperando a hora
em que os papeis todos
de todas as leis regras opressões
serão aprisionados e as letras dispersas
se unirão em novas letras palavras poemas
mas a literatura sonha
e sonha apenas
com as mãos sobre o braço de sua cadeira
e o queixo apoiado nas mãos
(sinto pena dessa triste situação e escrevo uns versos tão desmetrificados que daria para os pombos da praça alencastro para que se transformem eles próprios em mensageiros do fim dos tempos de violência e anunciem a poesia)
a literatura pensa sobre a vida
e o que quer que seja dela
mas logo logo precisa voltar para o trabalho
e ser mãe mulher esposa empregada amiga conselheira
desse mundo incrédulo e teimoso

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Tafetá

rios se formam entre tua ausência
barcos partem de portos
corpos partidos
seu tafetá amoroso
quebrantado pelo tempo
indeciso
por entre teus espaços
luzes refletem teus sonhos
um destino em cada olhar
um beijo distante na boca da noite
escuta:
saberá o tempo a sua
concórdia
será o colo o seu soldo
indelével
nas cinzas do amanhã
o halo da tua mais bela lembrança

domingo, janeiro 22, 2012

Quando eu te escrever um poema

Quando eu te escrever um poema
virá composto por versos de esperança
com palavras escolhidas a dedo
para que não vejas minha dissidência da vida.
Quando leres, peço-te encarecidamente
que não julgues um ato de beleza e
nem creias nas palavras dispostas
a enganar os olhos e os sentidos teus.
Quando eu te escrever um poema
será tarde demais para reflexões profundas e
análises elucidativas.
Tampouco terás tempo de decorá-lo para mais tarde,
nas recitações, com emoção fingida
disparar entonações midiáticas.
Quando o teu poema for, enfim, escrito
haverá nos olhos meus um tanto de grito abafado,
e, nas minhas mãos perenes,
um futuro triste em cada linha.
Quando sentires vibrar teu peito resistente
quando calares tua boca murmurando veraneios
quando chorares, ao primeiro silvo disparado pelos algozes
[inveterados que bradam ódio e calamidade
Terás, então, visto toda a dor de uma vida indisposta:
o vento solene e vazio no teu seio abandonado.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Poema indelicado

caia tua casa
e tua casa caiada
te asceta
tua seta em direção
sem saída
cai as coisas da vida
e nela tua meta

pinte tuas asas
com cores desinventadas
e se lance na imprecisão
no abismo dos teus ismos
e espere o próximo passo
não se arrisque no impasse
que te acerta sem direção
caia tua casa mas te peço
- não, nada, que isso passa

terça-feira, janeiro 10, 2012

Adeus, Maria

Partiste, minha vó. E, contigo, partiram as coisas inexplicáveis desse mundo. Partiste, como partiram as luzes de natal que enfeitavam a varanda. Partiste, como as espécies de plantas que habitavam teu jardim da frente, já desolado pelo tempo. Em tua partida também partiu a parca lembrança dos nomes dos netos (quem dirá dos mais contemporâneos?). Com tua partida, a partida do louro e do cão, cujos nomes  me esqueço - mas preservei o medo pelos bichos então misteriosos. Partiste e a roda do chimarrão dissipou-se. Partiste, minha vó, e já não me resta a imagem do teu espectro, quando as luzes da casa estavam para se apagar, segurando cobertas e esperando que todos dormissem, para que houvesse o teu descanso. A tua partida levou também o lenço com que amarravas os cabelos, tão longos cabelos. Partiste, e deixaste a casa vazia. Deixaste a roseira, a água para passarinhos, deixaste teu quintal imenso, teu milharal, deixaste tristeza conosco. Não me despedi de ti, minha vó, como deveria ser. Sequer sofri ou chorei pela sensação de um vazio, um abraço com o qual contávamos sempre, nós, teus netos. Partiste e já não sei pensar como serão as coisas daqui para o futuro. O que me ensinaste, durante tantos anos, foi a obediência à palavra, tua palavra. Tu foste a derradeira, minha vó. E, de ti, saudosamente, me lembrarei sempre da brincadeira de criança:

pinhé, pinhé, pinhé.

domingo, janeiro 08, 2012

dia in

à parte de qualquer circunstância
do princípio sinuoso em que se encontram
as coisas ínfimas
perdidas no todo-invólucro
no nada impreciso da solidão
parto em direção ao vazio cálido
que carinhosamente me envolve
em delírios empertigados
em sonhos inadvertidos
e proclama à boca pequena
serão todos os olhos do mundo
e os ouvidos da vida
solenes ferramentas
para repensar os absurdos
cotidianos
do amor moderno
aviso neon no meu peito citadino
o querer nessas noites de indício-mistério
é feito de medo & esperança