quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Passagem no tempo V

quando criança
não tive amigos:
brincava com o outro eu
de emoldurar olhares.
um sabiá sempre me assistia da goiabeira.
cantava três vezes e eu negava
aquele mundo todo.
um dia, pedi ao próprio deus
que me tornasse poeta.
o sabiá, naquele dia, não cantou, não:
fez foi bicar uma goiaba,
coçar a asa esquerda
e voar pro nunca mais.
entendi, de repente, que
ser poeta é coisa que não se pede.

sábado, fevereiro 16, 2013

A pipa (ou cena de uma tarde)

uma pipa vermelha
desvenda o céu
ensaiando um passo
de baião
balança fragilmente
assoprada por ventos quaisquer
e respira
embora lhe puxem à terra
e sonha
um sonho de pipa
- encerado
assoviando uma velha canção
para nuvens que se esparramam
e se coram de tarde
uma pipa vermelha
é um coração na minha poesia
que desatina infância e asas inventadas

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Poema para plantar


Compreendo um poema
Que vá crescendo em tuas
Mãos nodosas
Rarefeitas e dinásticas
De trabalhador – inquilino do tempo
Para depois libertá-las
Das circunstâncias de uma vida
Árida paisagem grave
Para depois deixá-las
Maquinando formas
Pássaros, quem sabe?
Representando ilusões
Destemidas mãos de homem
Rude e conformado
Um poema que seja terra
Não demarcada
Livre de cercanias
Palavras versos e vozes
Desmembrando as opressões
Que se exercem sobre os nós
Das nossas cordas vocais
Tão cansadas de (ex)orar
Por um poema que seja
Humano e delicado
Lido um poema
Para nos mananciais dos modos
Ser vida sonho & refúgio.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Diástole

Trago no corpo marcas
De uma incansável luta
Contra a vida.
Na boca, a língua:
Uma espada que não sei
Manusear.
Batalhas eu as perdi
Da guerra passei longe
Mas carrego comigo,
Num pingente de lembrança,
O teu nome.
Parto contra a sediciosa saudade.
E, se tenho mistérios desvendáveis
- Calafetações do meu corpo-memória
É porque encontro em ti
O halo fino que me envolve e adorna:
O amor.