quinta-feira, dezembro 30, 2010

Sobre o Ano do Tigre

(Para André Oliveira, sobre seu post, em seu blog abandonado)

Dois mil e dez, ano do tigre,
Intenso e explosivo
Num urro imponente,
Em cores fortes, ano vivo
De coisas tolas,
Coisas todas, talvez foi acertivo
Talvez foi fracassado,
Ano bom, como o lenitivo
Ano ruim, como
Que um aviso: "tudo é relativo"
Dois mil e dez, ano do tigre,
Intenso e  incisivo
Num correr pedante,
Sobressaltado, ano vivo.

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Poema para um céu.

Como na velha canção, eu te dizia
Olha pro céu, meu amor
Veja como ele está lindo...
Mas você, compendiada por um
Futuro entediado e burocrático
Não ouvia ou via.
E Deus imovia sua face sobre
A face dos homens.
E o céu  indo embora, colorido.
E eu - tons sóbrios -
E você.
E no terreiro o teu olhar
Que incendiou meu coração.

domingo, dezembro 19, 2010

Fragmentos.

"O ser humano, hein? O ser humano é estômago e sexo. E tem diante de si uma condenação: Terá obrigatoriamente que ser livre."

(Amarelo Manga)

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Fragmentos.

(...)Lembro-me de repente de quando era criança, e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela então não raiava para mim, mas para a vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida. Via a manhã e tinha alegria; hoje vejo a manhã, e tenho alegria, e fico triste… A criança ficou mas emudeceu. Vejo como via, mas por detrás dos olhos vejo-me vendo; e só com isto se me obscurece o sol e o verde das árvores é velho e as flores murcham antes de aparecidas. Sim, outrora eu era de aqui; hoje, a cada paisagem, nova para mim que seja, regresso estrangeiro, hóspede e peregrino da sua presentação, forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.


Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. No meu sangue corre até a menor das paisagens futuras, e a angústia do que terei que ver de novo é uma monotonia antecipada para mim.(...)

(parte 397 - O Livro do Desassossego - Bernardo Soares)

sábado, novembro 27, 2010

Sobre teu corpo, menina.

Sobre teu corpo, menina,
Me deitarei manso,
Como o sol que
Se põe à Terra, lentamente,
Recolhendo a luz do 
Céu, no escuro, no quarto.
Sobre teu corpo, menina,
Espalharei cores quentes,
Numa tela envolvida com laços
Dos nossos cabelos, ainda juvenis.
Sobre teu corpo, menina,
Dormirei sonhoso de um
Novo dia, um outro carnaval,
Máscaras & samba:
Brincaremos em dias desgovernados.
Sobre teu corpo, menina,
Não há mais o que dizer
Além de corpo, matéria, microcosmo
No teu corpo, menina,
Explodindo big-bangs,
Recriando tal qual deusa uma nova vida.
Fiat lux!
E rompemos o dia.

domingo, novembro 21, 2010

pós-poema dialogal

u.u
õ.ô
¬¬
:x
;)
=]
^^
*-*

sexta-feira, novembro 12, 2010

Receita para Camila (ou poesia reincidental)

Pegue meio tanto de qualquer coisa &
Junte um quarto de sol primaverado
Muitos quilo-metros de pensamentos
Alguns dissabores pra contrabalancear
E um céu azul de Vida propulsora doida latente
                                    [vida brincando de menina entre explosões.
Agrupe tudo em alguns sorrisos.
Misture alegria/sonhos/canções
Acrescente, para não se perder, uns e outros projetos
E espere o tempo aprochegar
Sirva quente, passional.
Rende muitas porções de
Não-sei-o-quê
De experiência.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Ora

o sangue que me toma a boca
é a minha poesia cotidiana
que me insurge o peito
que me escandaliza o pranto
que me escraviza e goza em mim.
a boca que sugere o cigarro
que me impede o morno sorriso
brinca sobre um tecido vermelho-decomposto
Ora (direis) ouvir estrelas!
hora de expiar, berrando murcho sobre a lajota encerada
poesia encerrada
Ora, direi, ouvi o sexo repugnante dos astros
                          [anarquistas vagando apáticos pelas rotas dos gemidos infantis.
febril canção dos odiosos ratos que se vingam e se vendem
à poesia que me toma a língua e me dá de comer:
EU, doido nome em vão
EU, vísceras encruzilhadas
EU: antibiológico, antibiônico, antibiótico,
Oro ao deusimbiose doente e desvirtualizado

quinta-feira, novembro 04, 2010

Fragmentos.

A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é a arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência, nem uma estética, nem uma teoria. Pede-me antes a intereza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe, e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca durma, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala duma vida ideal mas sim duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema com o poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão duma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia à qual está consubstancialmente unida. Se um poeta diz "obscuro", "amplo", "branco", "pedra", é porque estas palavras nomeiam a visão de mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. É da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o "obstinado rigor" do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilibrio das palavras entre si é o equilibrio do momentos entre si.
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço meu caminho, o meu reino, a minha vida.

(Sophia Andresen - Arte poética II)

segunda-feira, outubro 18, 2010

Ai de ti, poeta!

                                         Ao Anderson Frasão.
Ai de ti, poeta!
Se te entrega à paixão
Ou te devora o amor faminto.
Aí, homem, as palavras te confundem
                 [e falam de céus azulados e ternos.
Ora, molambo, apregoa
À poesia um pouco de dor,
Um tanto de sofrimento egoísta,
Antes que ela te revire, te enlouqueça
                 [e te cante doces melodias claras.
Veja, poeta, como compôr versos
Que não te seduzam com delírios
E que não te puxem algo íntimo.
Domine a escrita com rédeas curtas
                 [e alguma disposição sádica.
A poesia nos engana, mortais.
A paixão nos destrói, mortais.
Não se deixe, eloquente, que os versos
Se encaminhem para os assuntos do coração
                                    [e te tornem poeta, ai de ti!

terça-feira, setembro 14, 2010

O poeta

O poeta é uma esfinge
No ser-tão do pensamento
É monumento tombado
No momento arredio
Em que se vendem palavras
E se fabricam mais  carros.
O poeta não serve
De utilidade pública
Calamidade pública
Súplica avant-gard?
Guarde pra si.
 

segunda-feira, setembro 06, 2010

Gramático

Faço uma oração subordinada ao céu:
Que chova termos sobre minha cabeça vazia.
Meus pronomes relativos que saem pelos ouvidos,
Ou essa conjunção que integra meus pensamentos,

São os versos subjuntivos que gritam independência.
E o verbo pergunta pro sujeito onde fica a saída.
Chove-se no mundo gramático.

domingo, setembro 05, 2010

Velho

um vinho amargo pra curar esse trato
um trago, um gole pra acabar com esse tipo
um tempo pra matar esse troço
um vínculo torto pra aturar esse todo.
um trono de falso trapo.
um traço entre o sol e o salto.
um velho que vê sua vida

E pensa: é tanto ver, que vejo tudo.                  

terça-feira, agosto 31, 2010

Fragmentos.

"(...)Que fizeste com o teu irmão, perguntou, e Caim respondeu com outra pergunta, Era eu o guarda-costas de meu irmão, Mataste-o, Assim é, mas o primeiro culpado és tu, eu daria a vida pela vida dele se tu não tivesses destruído a minha, Quis pôr-te à prova,  E tu quem és para pores à prova o que tu mesmo criaste, Sou o dono soberano de todas as coisas, E de todos os seres, dirás, mas não de mim nem da minha liberdade, Liberdade para matar, Como tu foste livre para deixar que eu matasse a Abel quando estava na tua mão evitá-lo, bastaria que por um momento abandonasses a soberba da infalibilidade que partilhas com todos os outros deuses, bastaria que por um momento fosses realmente misericordioso, que aceitasses a minha oferenda com humildade, só porque não deverias atrever-te a recusá-la, os deuses, e tu como todos os outros, têm deveres para com aqueles a quem dizem ter criado, Esse discurso é sedicioso, É possível que o seja, mas garanto-te que, se eu fosse deus, todos os dias diria Abençoados sejam os que escolheram a sedição porque deles será o reino da terra, Sacrilégio, Será, mas em todo o caso nunca maior que o teu, que permitiste que Abel morresse, Tu é que o mataste, Sim, é verdade, eu fui o braço executor, mas a sentença foi ditada por ti, O sangue que aí está não o fiz verter eu, Caim podia ter escolhido entre o mal e o bem, se escolheu o mal pagará por isso, Tão ladrão é o que vai à vinha como aquele que fica a vigiar o guarda, disse Caim, E esse sangue reclama vingança, insistiu deus, Se é assim, vingar-te-ás ao mesmo tempo de uma morte real e de outra que não chegou a haver, Explica-te, Não gostarás do que vais ouvir, Que isso não te importe, fala, É simples, matei Abel porque não podia matar-te a ti, pela intenção estás morto, Compreendo o que queres dizer, mas a morte está vedada aos deuses, Sim, embora devessem carregar com todos os crimes cometidos em seu nome ou por sua causa, Deus está inocente, tudo seria igual se não existisse, Mas eu, porque matei, poderei ser morto por qualquer pessoa que me encontre (...)"     

Caim - José Saramago

segunda-feira, agosto 23, 2010

Fragmentos.

Âncora, vela
Qual me leva?
Qual me prende?
Mapas e bússola
Sorte e acaso
Quem sabe (?) do que depende?

(Mapas do Acaso - Engenheiros do Hawaii)

sábado, agosto 14, 2010

Importância

Que fique assim:
Que teus olhos não se encontrem nos meus;
Que meus gestos contidos evitem seu toque;
Que meu peito, fortaleza, não seja atacado;
Que fique assim:
Que meu poema se apague na tua língua.
Que meu corpo transmita a dor da vida.
Que tu, somente tu, seja o marco zero.
Que fique assim:
Que de hoje em diante,
Que de sempre e tanto,
Que só seja necessário
Que fique assim.
Que fique.
 

segunda-feira, agosto 09, 2010

Poema inacabado

Nossos corpos
Entrecruzados:
Na encruzilhada
Eu te perdi
Nesse encontro
Entrecortado,
Pergunto teu nome.
Eu te entoquei
No toque não dado.
Qual teu curso
Nesse rio de águas turvas?
Quem é você,
Nesse céu de estrelas mal fadadas?
Eu te procuro nos corpos, nos portos.
Eu te parti.

domingo, agosto 01, 2010

Ao Neruda, amigo desconhecido.

Fostes tu, Neruda, ou fui eu?
Que descompassou a música
Que enterneceu a pedra
Que abismou o céu?
Fostes tu, Neruda,
Que me cantou a poesia.
Fostes tu, Neruda,
Que me acompanhou nos versos.
Fostes tu, Poeta,
que me auxiliou na caminhada do amor.
Fostes tu, Neruda, não fui eu.
Mas fui eu, Neruda,
Fui eu quem me perdi
Fui eu quem rasgou poemas teus
Fui eu, Neruda, quem te odiou.
A ti, amigo desconhecido,
Dedicarei versos tolos e mal construídos.
A ti, tão belo. Tão homem.
Neruda, meu caro, nos perdemos nas palavras.

Eu, mole.

Eu mudo o mundo, o modo
Eu mando o medo à Marte
É mole?
Eu marco, eu meço,
eu mato, eu morro,
É mole?
Eu malho, eu minto
Eu mostro a marca
É mole?
Eu meigo, eu mago
Eu mais ou menos
É mole?

Eu molho o olho
o pranto, eu colho.
Eu, mole.

sábado, julho 31, 2010

Parto

Parto, dou à luz:
Parte sombra,
Parte o dia.
Porta entreaberta.
Porta do peito.
Porte triste.
Porte o silêncio.
Porto vazio.
Porto a dor.
Parto.
Perto, o nada.
(a)Perto.

terça-feira, julho 20, 2010

Fragmentos.

Por que choram as pombas ao amanhecer?

Porque uma noite o pombo e a pomba foram a um baile e alguém que não gostava do pombo matou-o numa briga. O baile estava lindo e a pomba não quis parar de se divertir. "Esta noite eu canto", disse ela, "e quando amanhecer eu choro". E chorou quando o sol apareceu no horizonte.


(Eduardo Galeano - Dias e noites de amor e de guerra)

sexta-feira, junho 18, 2010

Fragmentos.

Simplesmente, eu sou eu, você é você. É livre, é vasto, vai durar.
Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida mas, por enquanto, olha pra mim, e me ama! Não! Tu olhas pra ti e te amas.
É o que está certo.

(Clarisse Lispector - trecho de água viva)

segunda-feira, junho 14, 2010

Deixa-me com o que é meu.

Deixa-me com o que é meu.
Não peço muito nem tanto:
Posto que deixe meu pranto
Perdido entre este breu.

Quero teu olhos no meu
Recaídos como um manto
Como um alívio, um santo
Pra esse doido ateu.

Deixe-me como um adeus
Numa curva de canto.

Deixe-me como um tonto
a buscar os teus 'eus'.

Deixa-me com um deus.

segunda-feira, junho 07, 2010

Carta normativa em desabafo.

Estou à beira das tuas margens 3,0
alinho-me aos teus espaços, plenos
caracteres justificados, permeados
pelas mentiras que contas, e juras
de amor em branco, papel em branco
poesia morta, academia despendiosa
estou à beira da loucura, universo
doido, paragens técnicas de um céu
matemático, enigmático, que engana
os poetas que queriam sonhar vidas
que não há. Pois não há nada, além
disso. Dessa técnica. Não há coisa
alguma além de margem superior que
organiza o texto inferior margem e
espaçamento que enquadra essa cara
poesia, que é feita de bandida céu
entre parágrafos, o amor negritado
e citações e referência e as artes
que foram feitas das artes? Me diz
você, me diga o que as críticas te
disseram. O que a técnica te disse
sobre a poesia que foge do molde e
escapa, sorridente, livre e mordaz
não é o que a poesia acha sobre as
técnicas que dizem o que só pensam
e pensam mal.Porque a arte é livre
como arte, como sentimento, é como
uma coisa que salta, que não deixa
termos, estruturas alheias, a quem
o menor risco se sabe outro risco.
Um risco que puxe outro, e puxe um
desenho, uma poesia, algumas notas
e coisas, quaisquer coisas que não
se enquadrem na estrutura técnica.
Porque a técnica mata a poesia ela
mede a poesia. Assim, fria. Assim.
Mas a poesia sobrevive às técnicas
e está aí, para quem quiser ver ou
ouvir, ou sentir, tocar, mentir as
vezes, quem sabe. A poesia está aí
para mostrar que não há jeito para
quem quer prender a poesia. Pois a
poesia é viva. A poesia tem vidas.

quinta-feira, maio 20, 2010

Fragmentos

Tua mão em desatino sobre a minha solidão.


=/

Quem havia de dizer - Oswaldo Montenegro

domingo, maio 16, 2010

Senhora.

Urubus brincam sobre sua carcaça, mulher.
Assim, com as asinhas em movimento e
os biquinhos negros, mordiscam tua carne rígida.

Teu playground - virtus et sapientia - está cheio
de vermes, dos mais delicados aos mais científicos.
Levanta-te, arqueada.

Onde estão tuas muletas?
O que há com teus doutos olhares?
Tu, mulher, engasgar-se-á com teu próprio vômito.

Ó, espaço do saber!
Ó, cidade infecunda!
Atira-te ao degredo, desagrada!

E vós, estruturalistas,
vós, analistas, teóricos da poesia,
vós, que, imundos, lotam de palavras torpes
textos tolos, técnicos e tolhidos
de toda criação, que parasitam esta velha senhora, como
fungos e bactérias, deixeis que venha o dia súbito.

Pois há de chegar o dia da loucura.
Pois há de chegar o dia em que o juízo será lançado aos porcos.


Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo... deixe-me com os meus.

domingo, maio 09, 2010

Fragmentos.

Nos intervalos da guerrilha,
Dentro do grande silêncio.
Vontade de ver o som
Alguém sapateia do meu lado
Alguém está aqui
Aqui do lado
Aqui na alma
Relendo textos,
Queimando cartas
Flores do mar vermelho
Água dos meus olhos
Vontade de ver de novo
Saudade.
Saudade!
Memória,
Certeza.
Não estou vazio,
Não estou sozinho,
Pois anda comigo algo indescritível.
Não estou vazio,
Não estou sozinho,
Pois anda comigo algo indescritível.

(Lirinha)

quinta-feira, abril 15, 2010

Fragmentos.

“Alguns dias depois achava-me no banheiro, nu, fumando, fantasiando maluqueiras, o que sempre me acontece. Fico assim duas horas, sentado no cimento. Tomo uma xícara de café às seis horas e entro no banheiro. Saio às oito, depois das oito. Visto-me à pressa e corro para a repartição. Enquanto estou fumando, nu, as pernas estiradas, dão-se grandes revoluções na minha vida. Faço um livro, livro notável, um romance. Os jornais gritam, uns me atacam, outros me defendem." 


(Angústia - Graciliano Ramos) 

segunda-feira, abril 12, 2010

Poema.

Escreva
um poema
que não te
comprometa
Cumpre meta
Compre.
Escreva
um poema
que não te
abandone.
Abone.
Abane.
Escreva
um poema
limpo, claro.
Claro!
Escreva um poema caro, venda-o
mostra sua cara, venda-a.
Vergonha.

segunda-feira, março 29, 2010

Amor Virtual

Amor, liga a webcam...
Faz download do teu corpo
Grava em blu-ray
Mostra na LCD.
Amor, qual o script
Pra ter você?
Meu HTML quer seu blog.
Amor, te compro um mp15
Te faço uma formatação
Te livro dos spywares!
Amor, meu coração é um gadget,
Um HD esperando teus comandos.
Vem dar Crtl + S na minha vida.
Vem me querer com seus emoticons!

sexta-feira, março 19, 2010

Etéreo.

De tanto querer ser eterno
periga ser enfadonho.

quinta-feira, março 11, 2010

Sinta-xe

Menina, teus predicativos pro meu sujeito
me fazem objeto direto do teu amor.
Sou cheio de verbos pra você,
adjuntos e complementos.
Não me deixe predicado na tua oração.
faça um aposto,
vocativa o meu nome...
Ah, como agente da passiva,
sofro teu amar!
Quero ser só teu, intransitivo. 

sábado, março 06, 2010

Construção

Os homens ocres
Trabalham tijolos
Corados pelo sol.
Sobre andaimes e esforços,
Cresce a construção.
Sob céus, sub empregos
Sobra obra, falta tempo.
Os muros empregam sentido à obra,
Empregam homens sentidos.
O cimento prega pressa,
Pega a peça do trabalho:
Paga salário.
E o prédio sobe.
E sobe.
E o homem desce.
Desce.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Pequeno Poema reclamão.

Atua, peca, pondera.
A tua beca o que vale?
Se toca.
E tira da toca, retoca,
E tira do espaço, e a gente corre
Com passo largo.
E a gente se acua.
Você acu(s)a.
E a gente se perde
E você pe(r)de pra gente toda uma troca.
Pudera!
Pintamos, encenamos, cantamos, tocamos, dançamos
- todos, na corda bamba. E lá vem bomba.
E outra troca.
Se troca, veste logo a fantasia.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Fragmentos.

- Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse "para onde estamos indo?" — não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: "estamos indo sempre para casa".

(Lavoura Arcaica - Raduan Nassar, p. 18)

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Partido

A casa esvaziou.
Partiram-se homens e objetos,
Mulheres e frases.
No espaço inabitado,
Ares entediados rondaram brancos.
Na sala objetada por sofás desconsolados
a TV anuncia qualquer coisa inenarrável.
É um jornal de domingo no céu intermitente.
Passam vagas as sombras pela varanda.
São restos de viagens, dezembros e natais.
A casa cabra-cega.
De repente, já não havia brincadeira.