sábado, setembro 22, 2012

Retrato Apagado

teu alforje brincando de suor
te conduz pelos meandros da vida
arroios vielas estradas
estás vivo
e resistes, ainda
apesar de todo o medo que a noite veste
e mesmo com toda a gana que lhe cabe nas mãos
as luzes da cidade embaciam teus olhos
já não enxergas como antes
e sobre tua pele há uma ocupação irregular:
vês, gente de si, as dobras do tempo
a ampulheta do labor
as horas bem vividas
(ou mal, o que acusa teu coração?)
de amor e solidão
caminhas, ciente da frieza com que te
tratam teus pares
e carregas, junto ao bolso da calça de tergal
um anúncio de futuro que não pode ser lido
resistes, ainda
que te pese o céu que suporta todo o mundo
e vais sempre adiante
assoviando às estrelas
e contando a tristeza nas nódoas dos dedos
de uma mão que há muito serviu ao teu favor
e que agora limpa teu rosto
cansado
e vivo.

sexta-feira, setembro 07, 2012

Para Ler Fernanda Paz

há uns versos que me deixam
no limiar da dor e do prazer
redentores
padres-nossos
me absolvendo de pecados íntimos
- água-benta num dia de calor
para me livrar dos males
da própria existência

estes versos
por descuido talvez
me cortam a pele
ou se chocam em meus sentidos
deixando hematomas
feridas abertas
ecoando nas possibilidades
da minha poesia tão pobre
e tão mesquinha
para depois se desprenderem
como folhas
(e o descaso dos meus quereres)
e se deixarem ecoar pelos meus
olhos retinas pálpebras e descer
boca murmurando palavras
garganta embargada

repito às rebeldias do sangue
às bebedeiras da vida
ou às lembranças intermitentes
que esses versos me galanteiam
e depois vão embora
como o dia
a tarde que me imprime cores rotineiras
a noite feita de misteriosos desejos
e o grito surdo que escondo
nas palavras que escrevo

e me calo depois
porque é permitido o silêncio
olho o distante
(e não posso falar-te, gesto contido
pela situação)
compreendo tua língua
e tatuo em mim essa coisa
que não se escapa
esses versos que não são meus
esse teu cotidiano
no qual me reconheço
e vivo
e canto
e guardo
como um bilhete bem dobrado
no bolso da camisa que não pretendo tirar.

quinta-feira, setembro 06, 2012

Óculos

                                                 Ao meu pai
 
uso os óculos que
outrora
foram de meu pai.

na armação envelhecida
vejo solenes sinais de
temperança.

Estamos longe,
meu velho,
distantes como a tarde
ensolarada.

Mas agora carrego comigo,
a fim de ver uma nova vida,
teus óculos de armação rude
e considero

Junto a esse objeto estranho,

Que tenho de ti a partida,
vontade de vida nova
e nesses vossos olhos tão
vivos, meu pai,
e com esses óculos tão seus,
espero que o mundo gire a moenda
das renovações