sábado, junho 30, 2012

Continuamos vivos, afinal.

continuamos vivos, afinal
o tempo se aninha sobre tua pele
revolve nossos sentidos - folhas caídas
envelhecemos, nos tornamos outros
além de nós mesmos
íntimos da vida
já não sabemos muito bem para onde ir
ou porque, depois de tanta experiência
ainda somos pegos por esse mundo que
                                                [prega peças
e mesmo com tantas rugas
(ações da própria existência que insiste
em nos lembrar que não somos eternos)
e tantos cansaços
e tropeços e entornos
ainda continuamos vivos, afinal
mas chegará o momento em que esse jogo
que nunca termina
que dura anos - uma vida inteira,
por mais breve que seja
chegará o momento em que perderemos
essa roleta-russa com uma arma que sequer engatilhamos
esse revólver cano na boca língua prevendo orações
acionamos o big bang? daremos início a um novo fim
(tantos fins, não se esqueça...
já passamos por tantos fins!)
e aí o tempo se espreguiça
boceja
e vai se enrolar em outro corpo
mas ainda não estamos preparados
acreditamos no amanhã
(nem sempre)
e vamos por aí
vivos, afinal.

quinta-feira, junho 28, 2012

Carta Reflexiva e Ponderada Acerca de Renan Rosenstock - Parte I

Hoje é dia 28 de junho. Eu comecei a escrever cartas sobre mim a partir de 2008. A ideia era simples: nos dias 28 de junho, ou seja, a um mês do meu aniversário, escreveria uma carta sobre mim, acompanharia minha transformação ao longo dos anos, serviria de manequim exposto na vitrine para quem quisesse ver, já que nunca fui muito dado a falar sobre algumas coisas da minha vida (embora isso tenha mudado um tanto). Acontece que fui procurar minhas cartas - para mim mesmo - e não as encontrei. Bateu-me um certo desespero: acho que devo tê-las apagado. Não sei porquê. Fiquei com uma vontade de reinventar o passado e recontar minha "história". Mas isso seria falso demais. Recomeçarei a minha auto-análise e, dessa vez, não pretendo apagar.

Meu nome é Renan Marques Mateus. Achei que esse sobrenome não serviria muito para a arte, então substitui por Renan Rosenstock. Além de ser o sobrenome verdadeiro do Tristan Tzara, um cara que admiro muito (pois foi o criador do dadaísmo), também dá um número legal, numerologicamente (segundo a Allê Rodrigues, grande amiga mística). Antes eu assinava como Renan Marx, mas me deu problemas. Se eu fosse um bom sonetista assinaria como Mateus Marques, à moda portuguesa... mas não fui grande revelação pro mundo.
Completo, no próximo dia 28, 24 anos de idade. Hoje acho possível dizer que "a vida começa agora". Ou que a vida está sempre começando e acabando. Prefiro acreditar que são começos, porque finais cansam demais e depois a gente fica num vácuo. Tenho aproveitado bem esses anos de uns tempos pra cá. Apesar de tanto reclamar (o que eu acho que vem desde muito cedo, porque minha mãe diz que eu chorava demais quando pequeno) e, apesar desse tom meio pessimista que assumo, ainda acredito em algumas coisas. Na verdade, assumi a mesma postura que um cara que vi certa vez, chamado Franketienne, escritor haitiano (não tem nenhuma obra traduzida pro português), que diz que é um "desesperado", porque "esperar" não é uma boa atitude, o negócio é viver e ver qual é. Eu vou chegando aos 24 com um papo meio auto-ajuda, parece, e isso me incomoda. Mas não quero pensar muito sobre isso.
Eu ainda não consegui me formar na faculdade, embora falte apenas uma disciplina. Vou pra 6 anos de curso. Dois anos a mais do que o necessário. Mas não tenho me importado muito, sei que essas coisas acontecem. Foi bom, por um lado, porque esse ano consegui pegar as disciplinas de Filosofia da Linguagem e a de Antropologia da Arte. Eram duas coisas que eu gostaria de ter feito mas não me sobrava tempo. Acho que vou sair "bem formado". Não sei se vou pro mestrado, doutorado, carreira acadêmica. Acho atraente pela questão salarial, mas só. Também penso em começar outra graduação: antropologia. Era o que eu buscava inicialmente, mas não queria ter que fazer ciências sociais.
Trabalho num lugar chamado Centro de Referência em Direitos Humanos. Sou estagiário (imagina só...). Gosto de lá e gosto dessa área. É algo em que eu me especializaria. Também dei algumas aulas particulares, corrigi umas redações e dei aulas num cursinho. Esse ano foi o ano em que mais consegui trabalhar, desde que comecei, lá em 2007. Eu dei algum tempo de aulas e acho que, de certa forma, me encontrei. É bastante interessante preparar aulas, tentar quebrar essa barreira professor-aluno, ver que se interessam quando a gente consegue dar um outro tom pras aulas. Pretendo continuar por aí, sendo chamado de "muito louco" pelos alunos.
Sou leonino com ascendente em capricórnio e lua em aquário. Isso significa: caráter em fogo, aparência em terra e emoção em ar. Isso significa: arrogância, impulsividade, obstinação, firmeza, liberdade, horror à pressão. Tenho um problema meio grave (para a maioria das pessoas): a lua em aquário - nada de pressão, nada de possessividade - e o Vênus em gêmeos: relações fluidas, ninguém é de ninguém, amor tendendo a ser tranquilo e de várias pessoas. Claro que nem sempre foi assim, claro que "cada caso é um caso" (eu me envergonho de ser tão clichê, às vezes), mas tudo caminha para ser. Ando muito mais tranquilo e mais equilibrado emocionalmente. Também ando muito mais desapegado, o que pode gerar certos conflitos. Mas isso é como eu me vejo. Não significa, necessariamente, que seja verdade. Pode ser que eu seja um louco possessivo que faz pressão e que mataria por ciúmes. Será?
Essa junção de signos fez com que eu decidisse, desde muito tempo, não ficar parado em um lugar só. Em menos de um mês estarei indo pra Florianópolis. Nunca me imaginei morando lá. Vai ser uma "aventura" bacana e meio fora dos planos tão concisos feitos ao longo dos anos. Mas não garanto que vou parar por lá a vida toda. Tenho um sentimento meio cigano, eu acho. Mas, por hora, sair de Cuiabá é necessidade. Essa carta será dividida em duas partes. A próxima parte será escrita no dia 28 de Agosto - um mês após o meu aniversário - e aí, longe, conto melhor como é morar fora.
Moro aqui desde sempre. Nasci, inclusive, num hospital que fica relativamente próximo à casa. Eu que sempre gostei de viajar (sei que essa cultura vem dos meus pais, porque todo ano, desde que nasci, íamos/vamos para o Paraná, especificamente Ivaiporã e Apucarana, visitar a família. Meu pai foi o único a vir pra tão longe, inclusive) e ficar há 23 anos morando na mesma casa me deixa bastante cansado. Viajei para alguns lugares, mas nunca saí do Brasil. Um dia, quem sabe. Apesar de tudo, eu gosto dessa casa. Gosto do valor simbólico que ela tem pra mim. Gosto da goiabeira e dos mamoeiros e lembro, com uma nostalgia forte, das plantas que tinham nessa casa: goiabeiras, um pé de romã, tinha orelha-de-elefante, abacateiro, cajueiro. Na varanda eram três sete copas e um pé de hibisco enorme. Meu pai me ensinava a chamar passarinho. Cresci num lugar legal e, se um dia tiver uma casa, espero que ela seja tão cheia de plantas quanto.
Tenho uma boa memória fotográfica. Gosto de detalhes. E de cores e cheiros e sons. Gosto de pouca coisa e não preciso de muito na vida. Preciso dos meus amigos, que estão sempre por aí. Também preciso conhecer lugares novos e gente interessante. Fora isso, as coisas vão se organizando.
Gosto de música. Não sou eclético. Não vou mentir: Escuto raça negra, lindomar castilho, conheço alguns funks e alguns sertanejos música-de-corno, e tal. Acho que muita gente também conhece mas se nega a admitir. Eu separo meu gosto por "pastas de música que eu tenho", que são as coisas que realmente gosto (e aí inclui-se Alcione, Benito di Paula e bandas anarquistas - coisas não muito cults) e outras coisas que ouço por aí, pela rua. Vou da bossa nova, passando pelo jazz e pelo blues até o punk rock. Mas tem coisas que, definitivamente, não ouço. Gosto de tocar violão, apesar de não saber. E gosto da escaleta que eu comprei. Não consigo ficar um dia inteiro sem ouvir música, por exemplo. É uma necessidade. Gosto muito de arte. Muito de poesia e muito de literatura. Acabei de ler Gullar. Gosto muito de filmes. Tem gente que acha que eu sou pseudo-cult. Eu acho que não. Até porque acho meio complicado falar em "pseudo" alguma coisa.
Não sou uma pessoa fácil de lidar. Sou chato pra caramba. Só os amigos me aturam. Não sou muito chegado em muita gente, também. Às vezes, meu mau humor é deprimente. Às vezes, minha babaquice é deprimente.
Também não me acho um cara bonito. São 1,74 e 65kg de pura indolência. Ainda não consegui dinheiro pra fazer todas as tatuagens que quero. Tinha um piercing no nariz, mas tirei, perdi e agora só furando de novo. Tenho alargadores. 10mm. Já pensei em aumentar, mas não sei, não. Meu cabelo está estranho. Fiz um moicano e não ficou legal. Aliás, acho que foi uma mudança bacana. Nunca tinha cortado o cabelo assim. Tirei a barba. Só que continuo com essa cor esquisita. Também continuo com os velhos hábitos nada saudáveis: bebo e fumo. Sou meio da boemia. Meio sem hora pra chegar. Gosto disso, porque meus amigos também são assim.
Estou solteiro há dois anos. Não pretendo namorar de novo tão cedo. Gosto de descobrir gente nova e me encanto fácil por muita gente. Nunca beijei - até agora - nenhuma ariana. Gosto de saber sobre signos, também. Não me vejo casado (mas já pensei, e muito, sobre isso) e nem quero ter filhos - o que, pra muita gente, é um disparate sem tamanho. Eu gosto bastante de crianças. Tenho 3 sobrinhas e 1 sobrinho (e está vindo mais um por aí). Mas não pretendo ter filhos. Não me considero uma pessoa muito "família". Por isso não pretendo namorar. Isso não significa que eu seja cafajeste. As garotas sabem como eu sou. No entanto, gosto muito de mudar de opinião. Então pode ser que isso mude logo (é o Vênus em gêmeos). Ou não.
Não sei se tenho mais alguma coisa pra contar. Então é isso.

- escrito ouvindo: The Cure - The Wish e The Smashing Pumpkins - Mellon Colie e Infinite Sadness "Twilight To Starlight"

quarta-feira, junho 27, 2012

homenagem póstuma esquecida pelo tempo

- morreu como quem dormia
é o que pensava quando me dispunha
a ver os mortos todos que atravessaram
minha existência tão cheia de vida
talvez não seja assim
não sei (ou saberei) como foi exatamente
que morreram todos sequer algum deles
tão solitária é essa morte
tão mesquinhos e egoístas são os que se permitem morrer
eu pensava
mas morre-se como quem dorme
também os bichos
também as plantas do quintal de casa
(o velho cajueiro já roído pelo tempo
a goiabeira que sofria intervenções do vento impune
a sete copas - lembra-se, minha mãe, daquela tempestade de 95, talvez 98, não saberei ao certo, quando a sete copas ameaçou cair involuntariamente sobre nossa casa? - já infestada pelas erva-de-passarinho, que parecem-se conosco, sempre tentando sobreviver, mas também morrendo aos poucos...)
morrem os sonhos
os velhos hábitos conjugados pela maturidade
nossos planos
- todos como quando dormimos
e já não pensamos em nada além do próprio sono
essa quase morte que nos deixa no limiar da própria vida
ambíguos e humanos como não poderíamos deixar de ser
só não morre o mundo
tão castigado e velho
também não morre o cheiro de crisântemo das primeiras horas do sol
nem as pedras tão esquecidas e tão cumpridoras
do seu papel de seres que são o que são
(e nós, o que somos além daquilo que inventamos?)
não morre o medo desse futuro que vem de não sei onde
e passa ligeiro como um boeing 747 voando a mais de mil quilômetros por hora
só nós não passamos
só nós insistimos em ficar e morrer
morrer como quem dorme
na inútil perseverança da vida que não se desintegra com suas perdas.

sábado, junho 23, 2012

Alguma coisa

a coisa anda preta
anda por aí nas sombras
da noite
a coisa tá feia
a coisa anda preta
prêt-à-porter
pegue-e-leve sem razão
pegue leve, que a coisa
não tá boa
anda logo, vê se corre
que tem algo surgindo por aí
e essa coisa
(- é coisa feia)
é muita sujeira
é coisa à-toa
ninguém explica
todo mundo entende
coisa de nada
mas que vem e que leva
que mancha e que mata
que invade e - que coisa!
mas deixa essa coisa de lado
essa coisa de dentro
que põe a gente pra fora
essa coisa tá preta
deixa pra lá.

segunda-feira, junho 18, 2012

Cidade

a cidade cresce com seus prédios
como se fossem cacetes
cada vez maiores
rasgando o céu por onde
passam aviões lotados de gente com pressa
e helicópteros - seja de TV, como urubus
sempre cobrindo qualquer notícia
- seja da polícia, como urubus
sempre prontos a nos acusar de qualquer coisa.

e esses prédios - falos enormes
iluminados e coloridos e com gente
gente esperma dentro dos prédios
(alguém pula do 13°: foi um gozo
desperdiçado em direção ao vazio
da cidade).
esses prédios sufocando as casas
o céu
masturbados por um sol
que nasce e morre não sei pra que lado
mas sempre roçando com as cores
a estrutura fálica dos prédios:
a vida contemporânea.

A cidade é um grande corpo
com seus falos, suas veias, um coração sujo
um pulmão imprestável
pernas entrevadas
cabeça demente
e as pessoas transitam nela
como células
com suas funções
e eu
eu sou um câncer
tratado e em vias de desaparecer.


sábado, junho 16, 2012

We cannot start off the day running overtime.

esperar ônibus
é como transar
com a mesma mulher
mais de uma vez
numa mesma noite:
não, você não quer estar ali.
sua vontade é a de tomar uma cerveja
fumar um cigarro
e não se importar com esse "dia de amanhã"
tão medíocre quanto
as noites que perdemos por aí.

esperar ônibus
é como trepar
contra a vontade
é como estar sempre pronto
e nunca preparado
respirar gente babaca e
engolir a seco
as merdas todas de uma vida
que não vai pra lugar nenhum.

Mas o ônibus chega
(sempre chegará)
e você, dentro dele,
é só mais um cretino
que vai para algum lugar
que não importa.
- uma moça ganha flores
do namorado que a traiu.
Uma idiota qualquer que acredita
em qualquer coisa que lhe digam:
"perdoe os pecados"
"ame o próximo"
"não use drogas"
"não beba demais"

essa é a vida fodida que levamos:
indo sempre pra frente
mesmo que essa frente seja
uma porra infecunda
um gozo fingido
uma possibilidade de participar
de toda a conspiração
do mundo:
dos que erram dos que sofrem dos
que mentem e matam e traem e estupram
e roubam ou riem ou levam
essa coisa sempre à frente.

tomar um ônibus nos faz
perceber como somos uns
insignificantes:
não paguei minhas contas
esqueci o bujão de gás ligado
falta comida na dispensa.

mas vamos sempre
sempre para um lugar desconhecido
tropeçando nas próprias pernas
louvando um copo de cachaça
rendendo graças a um deus mudo.

acreditar na vida
(assim como esperar um ônibus)
é como trepar com qualquer pessoa
esperando não sermos infectados
pela miséria humana
ou sujeira radioativa
ou filhos.

mas meu coração tão humano
- não tão símeo por evolução
se revigora à espreita de um futuro
que não chega.
Logo é manhã e só mais um trago
de conhaque (ou fel) pode
curar a ressaca da vida.

sexta-feira, junho 15, 2012

Minotauro

a vida se mistura
nas tuas mil e uma cores.
o momento escorrega pela tarde
já vai longe
quando nos damos conta
das infinitas possibilidades
do dia.

o sabor dos gestos.

tom das coisas que disfarçamos
ali
nas perplexas indefinições.

A noite que chega tem cheiro
de surpresas:
um poema quer rasgar minha carne.

você se insere no caos,
explosões que saem dos meus olhos opacos
algo como um labirinto
um minotauro implorando para ser descoberto
faminto e desolado pelo tempo
displicente e desmemoriado.

você chega pulando meus muros:

não me protejo.
aceito de bom grado tua paleta
e a vontade de recolorir esse céu.


quinta-feira, junho 14, 2012

Nas ruas.

nas ruas, os jovens se amam.
nas ruas, andam de mãos dadas,
se abraçam, trocam carícias e beijos
esperançosos pelo futuro.
nas ruas, os jovens se matam.
nas ruas, se viciam em crack.
nas ruas são assaltados, baleados,
esfaqueados e morrem esperando socorro.
nas ruas
(e sempre nas ruas)
os jovens tentam atravessá-las
em meio ao tanto de carros, caminhonetes,
ônibus,
os jovens tentam atravessá-las,
saindo de buracos escolas trabalhos medíocres
e são atropelados, ou atropelam
e interrompem o trânsito,
anunciam o caos
e viram estatística de violência urbana.
nas ruas,
quão difíceis são as ruas,
manifestam, pedem, exigem, gritam, revoltam-se.
sempre jovens.
sempre nas ruas.
cada vez mais babacas
entupindo ruas cuspindo clichês vomitando
quaisquer coisas pelas quais ninguém se interessa.
ficam os jovens nessa procissão em círculos
e não sabem que o que os aguarda na próxima esquina
é o grito abafado do medo
as fumaças e o desemprego
nós que não somos jovens apenas continuamos
com nossas vidas difíceis
porque o dia bate à porta
são contas demais a pagar
e dinheiro de menos a receber
apenas continuamos perseguindo o futuro
com um pouco de fé seja no que for
com um pouco de paciência seja com o que for
e com um tanto de vontade de sentar
e esperar que tudo passe, como passam as nuvens
como passa o amor febril
como passam os sonhos, indo pro desconhecido do tempo.




quinta-feira, junho 07, 2012

Cântico de amor em louvor à amada

Ó, minha amada, o que quero em ti é o que não
[se escreve:
Quero teus sonhos e o que em ti me dói
Quero teus medos obscuros, teus desejos sujos,
Quero tuas vontades irrealizáveis, teus planos
[medíocres,
Quero tua pouca inteligência, tua sempre disposição
[para o sexo,
Quero teus bens, tuas dívidas, teus foras,
[mas dentro de ti.

Ó, minha amada, amo-te pelo que nunca serás,
[mesmo que te esforces,
[mesmo quando mentes, quando me odeias,
[quando me apontas teu rijo dedo
[e desafias os astros todos, vociferas, me ameaças,
[ébria, fora de si.

Amo-te, minha amada, quando já cansada
[de não ser ouvida, vens e deita-se no
[meu colo e choras qual criança e, mesmo que te
[afague os cabelos, tu sofres,
[imploras para que eu nunca te abandone,
[pois amanhã é um novo dia e você
[precisa pedir aumento de salário para cuidar dos filhos
[que sonhas um dia em ter.

Amada minha, quando levantares dessa nossa cama de ontem
Peço que me tragas aquele vinho não terminado de sempre
Peço que tragas tua loucura e teu ódio pelo mundo
Peço que acendas meu cigarro e depois me deixes
E vá embora, e não volte nunca mais
Com essa tua coisa que não te move
Com esse teu jeito que não se arranja
Com essa tua insatisfação que te destrói
Com esse teu amor que te invade.

Quer dizer, amor, volte.
Volte em breve, o tempo de um cigarro
Ou de uma garrafa de vinho não terminada de sempre.
Volte para casa trazendo tuas coisas definitivas:
tua vida difícil, teu problema com os psicotrópicos,
teu corpo marcado pelas inúmeras
[tentativas de suicídio
e teu amor, tão simples amor, que me desperta
[e me nina até que eu pegue no sono.



domingo, junho 03, 2012

Corpo em Delito

I.

Teu corpo é um delito
você me delata
eu te deleto
degluto e te loto
com o meu corpo
lápide
corpo lépido

II.

e você me relata
louca a me ligar
de um lugar
qualquer
você me aluga
e eu te alego
que levo a vida leve
aí você me lasca
e eu te leso

III.

mas ai de mim, se você lembrar
das nossas leis
mas ai de ti, se eu ler
tuas entrelinhas
mais ainda nossos corpos
ligeiramente lacrados
nesse liame
de quase luz...



sábado, junho 02, 2012

Dessincronia

chamo-te vento
penumbra
barulho embaixo da escada
chamo-te esquecimento
porque perdi teu nome
vasculho teus pertences
mas tu não estás
e eu te procuro
nos classificados de jornal
nas minhas bebedeiras
nas tardes pacatas
e mesmo nos faróis alucinados
dos carros violentos
não poderia encontrá-la
oco de mim
não poderia encontrá-la
passos em desaviso
escapando dos meus meios
no entanto brotas em mim
qual erva-daninha
qual mato entre minha terra seca
quem te plantou?
com que sol te iluminastes
já que minhas noites imperavam?
insisto em te arrancar
mãos feridas pelo tempo
mas te escondes e
logo as chuvas virão
te fazendo florir em mim.