segunda-feira, janeiro 05, 2015

sexta-feira, agosto 01, 2014

O Medo

                                             o medo: dome-o
                                              (Antônio Sodré)

o medo não mora
nos altos píncaros
não mora
o medo
nos abismos
no oceano profundo
o medo não habita

onde quer que estejamos
e onde formos
longe ou perto
dentro ou fora
o medo nos encontra
e se instala
- ai de mim, que existo
e sei!
e permanece o medo
escondido entre entranhas
encostado nas sujas paredes
em que escrevemos nossas vontades

o medo que é.
e está.

e eu, que vivo à margem,
sempre do lado de lá,
espero o medo
(com suas plumas
e bijuterias)
me achar.

quarta-feira, julho 30, 2014

Nocturno n° 5

paira sobre as coisas
e suas cores
(o que não reflete é breu)
uma tristeza que descansa
na noite quase morna
desse inverno:
imóveis árvores,
silêncio dos autos,
céu dissipando estrelas

nonde há luz; sombra -
barroco movimento das vontades.

domingo, julho 27, 2014

Códice

quando Eva me pariu
mal sabia ela
que a dor maior
- a existencial
viria parcelada
pelos séculos
às suas descendentes.

rasguei o ventre de minha primeira mãe
e saí me derramando no mundo
as dores do parto resignaram-na
moça solteira prenhe de filho pardo
o pai não se sabe
alento não tinha

no entanto
como todo acaso
que transforma o mundo
num espetáculo plausível
ao romper a placenta
vazou de súbito
a poesia escondida
jorrou aos montes
encobriu as várzeas
e me afogou num morno
percebimento
da vida ao redor.

quando Eva me pariu
jogou no mundo toda a cor
que era de sangue
e terra
que era verso e sombra

nesse chão agreste
que deus nos deu.

quarta-feira, junho 25, 2014

o poeta anda consigo

sou um homem comum
feito de pele e tédio
pêlos e instatisfação
caminho pelas calçadas
- sempre pulando o ladrilho branco
fumo marlboro
tomo uma gelada
e estou sempre atento ao atravessar as
ruas
pois são perigosos os automóveis
velozes como a cidade

mas acontece que também sou poeta:
devasto a madrugada
que se agasalha na minha pele
a procura de um verso
em que eu caiba
espreito poetas
que aprendi a ler por força
da ocasião
e assovio um bixiga 70
nas horas de ansiedade

como me soubesse gente
desde cedo
e já que descobri
ao vasculhar os meus cabelos
a poesia escondida

não me afeta o cinéreo tempo
que se abate sobre nossa testa
- uma prova de fogo, talvez
antes
na luz em que resisto
colho com as mão lavradas
e o afeto nos olhos
um momento pequeno
como o delicado chilrear
dos pintassilgos.

quarta-feira, junho 04, 2014

I.

se tens, amor, um bacamarte
mira mas não erra.
na cabeça uma sentença:
nas têmporas da temperança
deixe o sangue arbitrário
validar o signo oportuno
no gosto do coração que avança.

se tens, amor, algum punhal
permita-se fincá-lo nos
umbrais da alegria
desses dias em que sorris
como em sonho & possibilidade

II.

mas se nada trazes nas mãos
além dos nós, das falanges tristes
se nada tiveste nas tuas andanças,
na tua alforria

venha assim mesmo: amor
como se nada soubesses de nós
e da morte, do degredo escapaste
como puído o destino das tuas rotas
ou incerto o desejo dos teus gestos...

vens, branda mas ligeira
aplaca o que de mim não se apascenta:
o calor das tardes, o tácito gosto dos meus medos
e acalanta minha insensatez

III.
a respeito da vida conheço os pormenores,
o que fica tangente, espaço de fuga, à deriva no peito
e sei também do que se perde pelos cantos empoeirados,
onde range um sentimento ermo ou delicado.

a respeito de ti, meu corpo sugere a presença:

abismo, ecoando as cores do tempo,

pedindo licença para estar

sujeito às manifestações do ser.

terça-feira, junho 03, 2014

Fragmentos

"(...)
Pois estávamos tristes,
apesar dos sorrisos,

da tua mão na minha
e das flores na sala.

E como havia em tudo
um adeus sem destino,

deixamo-nos ficar
neste sofá florido.

Mas, de súbito, um pássaro,
suspeitando o jardim

com seus grilos e rãs,
trouxe o sonho de volta

do que foi nossa alma,
do que foi nossa carne,

do que foi a desfeita
solidão pelo abraço.

E disseste: — Na pressa
da alegria, retive

o que sei era a morte
no seu próprio casulo.
(...)"

(Alberto da Costa e Silva - Ao lado de Vera)